Arte de Marc Chagall
Fizemos tudo errado.
Não deveríamos ter nos beijado nos primeiros minutos.
Não deveríamos ter dormido de conchinha já na primeira noite.
Não deveríamos atravessar as madrugadas rindo.
Não deveríamos transformar todo abraço em esquina.
Não deveríamos denunciar nossos pensamentos, permitir o ciúme, expor os nossos defeitos.
Não deveríamos, é o que os amigos me ensinaram. Para conquistar alguém, é obrigatório esconder o jogo, fingir independência, disfarçar o arrebatamento.
Falhamos, amor. Somos afoitos, ansiosos, sinceros.
Fracassamos no drama, perdemos a concentração. Somos péssimos atores do desejo.
Nossa história poderia ser diferente.
Eu não deveria ter atendido ao telefone no primeiro toque.
Você não deveria ter atendido ao interfone no primeiro chamado.
Eu não deveria ter dito que sentia saudade na segunda hora.
Você não deveria ter dito que sonhava comigo.
Eu não deveria ter pedido em namoro no segundo dia.
Você não poderia ter aceitado.
Eu não poderia ter mandado flores.
Você não deveria ter regado as plantas de minha casa.
Eu não deveria ter apresentado meu filho no final de semana.
Você não deveria ter tomado um Nescau em nossa segunda noite.
Eu não deveria ter deitado em seu colo para assistir tevê.
Você não deveria ter me apresentado sua mãe e seu pai na primeira semana.
Eu não deveria ter convidado para uma festa do trabalho no terceiro dia.
Você não deveria ter deixado um vestido em meu armário.
Eu não deveria falar de minha vida de solteiro.
Você não deveria descrever seus antigos relacionamentos.
Eu não deveria ter separado uma prateleira para colocar suas roupas.
Você não deveria ter segurado o guarda-chuva.
Eu não deveria abrir a porta do carro e puxar sua cadeira no restaurante.
Pecamos, tropeçamos na bondade.
Você não deveria ter dito que nunca teve tanta intimidade com alguém.
Eu não deveria ter dito que a amava depois da terceira noite.
Bem que nos avisaram que seduzir é se aguentar, é se conter, é não demonstrar os próprios sentimentos.
Fizemos tudo errado, por isso estamos juntos.
Amor é exceção, amor é quebrar as regras.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N° 17397
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