Nise da Silveira - foto: (...) |
Foi membro fundadora da Sociedade Internacional de Expressão Psicopatológica ("Societé Internationale de Psychopathologie de l'Expression"), sediada em Paris.
:: Fonte: MELO, Hildete Pereira de; MARQUES, Teresa Cristina de Novaes. Nise da Silveira (1905-1999): médica psiquiatra. in: SCHUMAHER, Maria Aparecida (Schuma); BRAZIL, Erico Teixeira Vital. Dicionário das Mulheres do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2000.
:: Saiba mais: CÂMARA, Fernando Portela. Vida e obra de Nise da Silveira. Psichiatry on line Brasil, vol. 7, n. 9, set. 2002. Disponível no link. (acessado em 23.5.2016).
- Nise da Silveira, no livro "Imagens do inconsciente". Rio de Janeiro: Alhambra, 1981, p.11.
"O exercício de múltiplas atividades ocupacionais revelava que o mundo interno do psicótico encerra insuspeitadas riquezas e as conserva mesmo depois de longos anos de doença, contrariando conceitos estabelecidos."
- Nise da Silveira, no livro "Imagens do inconsciente". Rio de Janeiro: Alhambra, 1981, p.11.
OBRA DE NISE DA SILVEIRA
Livros
:: Ensaio sobre a criminalidade da mulher no Brasil. (tese doutorado). Salvador BA: Faculdade de Medicina da Bahia | Imprensa Oficial do Estado, 1926.
:: Jung: vida e obra. Rio de Janeiro: José Álvaro Edições, 1968; Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1975; 1976; 1985; 1999.
:: Terapêutica Ocupacional: teoria e prática. Rio d Janeiro: Casa das Palmeiras, 1979.
:: Imagens do inconsciente. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981.
:: Casa das Palmeiras - A emoção de lidar: uma experiência em psiquiatria. [Coordenação e prefácio de uma experiência em psiquiatria Nise da Silveira]. Rio de Janeiro: Alhambra, 1986.
:: O mundo das imagens. São Paulo: Editora Ática, 1992.
:: Nise da Silveira. Brasil - São Paulo: COGEAE|PUC-SP, 1992.
:: Cartas a Spinoza. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995.
:: Gatos, a emoção de lidar. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial, 1998.
Em parceria
Nise da Silveira |
Organização
:: A farra do boi: do sacrifício do touro na antiguidade à farra do boi catarinense. [organização Nise da Silveira]. Rio de Janeiro: Numen, 1989.
Escritos dispersos
FERREIRA, Martha Pires (org). Senhora das Imagens Internas: escritos dispersos de Nise da Silveira. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2008.
Fotobiografia
MELLO, Luiz Carlos. Nise da Silveira: caminhos de uma psiquiatra rebelde. (biografia ilustrada). Rio de Janeiro: Automática Edições, 2ª ed., 2015.
Correspondência
LUCCHESI, Marco (org). Viagem a Florença: cartas de Nise da Silveira a Marco Lucchesi. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.
“A configuração de mandala harmoniosa, dentro de um molde rigoroso, denotará intensa mobilização de forças auto-curativas para compensar a desordem interna. Então pedi para que fotografassem algumas mandalas e as enviei com uma carta para C. G. Jung, explicando o que se passava. Foi um dos atos mais ousados da minha vida.”
- Nise da Silveira, em "Nise da Silveira: caminhos de uma psiquiatra rebelde". (fotobiografia), de Luiz Carlos Mello. Rio de Janeiro: Automática Edições, 2ª ed., 2015.
"Porque as vivências sofridas pelos pacientes, bem como as riquezas de seu mundo interior, invisíveis para aqueles que se detêm apenas na miséria de seu aspecto externo, (...) apontam para a necessidade de uma reformulação da atitude face a esses doentes e de uma radical mudança nos tristes lugares que são os hospitais psiquiátricos..."
- Nise da Silveira, no livro "O mundo das imagens". São Paulo: Ática, 1992, p.18.
"O mal está de tal modo solto, que não pode ser combatido com violência, mas sim com música e poesia."
- Nise da Silveira.
"As imagens do inconsciente, objetivadas na pintura, tornavam-se passíveis de certa forma de trato, mesmo sem que houvesse nítida tomada de consciência de suas significações profundas. Lidando com elas, plasmando-as com suas próprias mãos, o doente as via, agora, menos apavorantes e, mais tarde, até inofensivas. Ficavam despojadas de suas fortes e desintegrantes cargas energéticas."
- Nise da Silveira, no livro "Terapêutica ocupacional: teoria e prática". Rio de Janeiro: Casa das Palmeiras, s/d., p.32.
Emygdio (6.6.1969) - in: 'O mundo das imagens'. Editora Ática, 1992. |
“Um dos caminhos menos difíceis que encontrei para o acesso ao mundo interno do esquizofrênico foi dar-lhe oportunidade de desenhar, pintar ou modelar com toda a liberdade. Nas imagens assim configuradas temos autorretratos da situação psiquiátrica, imagens muitas vezes fragmentadas, extravagantes, mas que ficam aprisionadas no papel, na tela ou no barro. Podemos sempre voltar a estuda-las. Foi estudando-os e as imagens que configuravam, que aprendi a respeita-los como pessoas, e desaprendi muito do que havia aprendido na psiquiatria tradicional. Minha escola foram esses ateliês.”
- Nise da Silveira, em “20 anos de Terapêutica Ocupacional em Engenho de Dentro". Revista Brasileira de Saúde Mental, vol. X, 1966.
Nise da Silveira - foto: (...) |
Filme: Imagens do inconsciente: a barca do sol
"São três artistas. Três histórias de vida. Três casos clínicos". Uma trilogia em que o realizador procurou "uma linguagem cinematográfica que permitisse narrar os filmes a partir dos próprios trabalhos pintados pelos artistas", no serviço de terapia ocupacional e reabilitação criado em 1946 pela dra. Nise da Silveira, no Centro Psiquiátrico Pedro II. São pinturas, desenhos e modelagens que "expressam o mundo interior de três artistas", Fernando Diniz ("a pintura em luta constante contra o caos para recuperar o espaço cotidiano"), Adelina Gomes ("a pintura em luta para expulsar os fantasmas e recuperar a condição feminina") e Carlos Pertuis("a dolorosa busca da consciência da humanidade pelas lendas").
Direção: Leon Hirszman
Ano: 1983-1986
Duração: 205 min.
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Posfácio – Imagens do Inconsciente
O filme é dividido em três episódios: Fernando Diniz - Em busca do espaço cotidiano; Adelina Gomes - No reino das mães; Carlos Pertuis - A barca do sol. O DVD acompanha ainda o extra Posfácio: entrevista com a dra. Nise da Silveira, realizada por Leon Hirszman - o material bruto não editado pelo cineasta torna-se agorafilme em montagem de Eduardo Escorel.
Direção: Eduardo Escorel e Leon Hirszman (Brasil, 1986 -2014)
:: GOMES, Juliano. Posfácio – Imagens do Inconsciente, de Eduardo Escorel e Leon Hirszman (Brasil, 2014). in: Cinética - cinema e crítica, 1 de março de 2015. Disponível no link. (acessado em 23.5.2016).
:: Loja IMS: DVD
Nise da Silveira - Posfácio: imagens do inconsciente
Filme: Nise – O coração da loucura
Sinopse: Ao voltar a trabalhar em um hospital psiquiátrico no subúrbio do Rio de Janeiro, após sair da prisão, a doutora Nise da Silveira (Gloria Pires) propõe uma nova forma de tratamento aos pacientes que sofrem da esquizofrenia, eliminando o eletrochoque e lobotomia. Seus colegas de trabalho discordam do seu meio de tratamento e a isolam, restando a ela assumir o abandonado Setor de Terapia Ocupacional, onde dá início a uma nova forma de lidar com os pacientes, através do amor e da arte.
Nise - o coração da loucura (Glória Pires) - direção Roberto Berliner |
Ano: 2015
Duração: 108 min.
Ficha técnica
Direção: Roberto Berliner
Roteiro: Flávia Castro, Mauricio Lissovsky, Maria Camargo e Chris Alcazar
Roteiro final: Patricia Andrade, Leonardo Rocha e Roberto Berliner
Direção de fotografia: André Horta
Trilha sonora original: Jaques Morelenbaum
Produtora: TV Zero
Elenco: Glória Pires, Simone Mazzer, Julio Adrião, Claudio Jaborandy, Fabrício Boliveira, Roney Villela, Flavio Bauraqui, Bernardo Marinho, Augusto Madeira, Felipe Rocha, Roberta Rodrigues, Georgiana Góes, Fernando Eiras, Charles Fricks e mais.
:: Ficha técnica completa: Acesse AQUI!
"Haverá doentes artistas e não artistas, assim como, entre os indivíduos que se mantêm dentro das imprecisas fronteiras da normalidade, só alguns possuem a força de criar formas dotadas do poder de suscitar emoções naqueles que as contemplam."
- Nise da Silveira, citado em "Nise da Silveira: uma psiquiatra rebelde", de Ferreira Gullar. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1996, p. 96.
Nise da Silveira - foto: (...) |
TRABALHO
Vídeo: A psiquiatra e o artista: Nise da Silveira e Almir Mavignier encontram as Imagens do Inconsciente
Video produzido para apresentação de mestrado no Instituto de Arte por José Otávio Pompeu e Silva
Orientação: Profª|Drª Lucia Reily
Trilha Sonora: Choro das Três (com permissão concedida na época)
Narração: Francine Albiero de Camargo
:: Disponível no link. (acessado em 23.5.2016).
HOMENAGEM
Vídeo: Drª Nise da Silveira
Realização: Procurando Saber
:: Disponível no link. (acessado em 23.5.2016).
Emygdio de Barros e Fernando Diniz - Arquivo Atelier Lou Borghetti |
O Museu de Imagens do Inconsciente -MII, fundado em 1952 pela Drª Nise da Silveira na cidade do Rio de Janeiro, é um centro de estudos e pesquisa na área da saúde mental.
Unidade do Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da Silveira, está organizado em 4 setores: Reserva Técnica; Ensino, Pesquisa e Divulgação; Administração; e Ateliês Terapêuticos.
Funcionamento
Aberto ao público de: 2ª a 6ª feira, das 9h às 16h30.
Bairro de Engenho de Dentro – Rio de Janeiro RJ
:: Saiba mais: Acesse AQUI!
"Empiricamente ficou evidente que o cão podia tornar-se um elo intermediário nas relações entre o terapeuta e o esquizofrênico. Com efeito, o cão sendo incondicional nos seus afetos apresenta-se como objeto estável por excelência para relacionamento. Além disso, transborda do calor que os materiais de trabalho não podem oferecer"
- Nise da Silveira, no livro "Terapêutica ocupacional: teoria e prática". Rio de Janeiro: Casa das Palmeiras, 1966, p. 52.
Nise da Silveira - foto: (...) |
Brasil
:: Museu Bispo do Rosário, da Colônia Juliano Moreira - Rio de Janeiro RJ.
:: Centro de Estudos Nise da Silveira - Juiz de Fora MG.
:: Espaço Nise da Silveira, do Núcleo de Atenção Psico-Social - Recife PE.
:: Núcleo de Atividades Expressivas Nise da Silveira, do Hospital Psiquiátrico São Pedro - Porto Alegre RGS.
:: Associação de Convivência Estudo e Pesquisa Nise da Silveira - Salvador BA.
Exterior
:: Centro de Estudos Imagens do Inconsciente, da Universidade do Porto - Porto| Portugal.
:: Association Nise da Silveira - Images de L'Inconscient - Paris| França.
:: Museo Attivo delle Forme Inconsapevoli (hoje 'Museattivo Claudio Costa') - Genova| Itália.
O antigo "Centro Psiquiátrico Nacional" do Rio de Janeiro recebeu um sua homenagem o nome de "Instituto Municipal Nise da Silveira".
Obras de pintores - Acervo do Museu Imagens do Inconsciente |
A potência do não: Nise da Silveira e Mary Wollstonecraft
Por Daniela Lima.
“Fala-se na fonte da sabedoria e na fonte da loucura. Mas elas não são duas. Não há fontes separadas, está tudo muito próximo.”– NISE DA SILVEIRA
“A senhora vai aprender as novas técnicas de tratamento. Vamos começar pelo eletrochoque”, o psiquiatra apertou o botão e um jovem paciente entrou em convulsão. A expressão de terror foi se aprofundando no rosto dele, até que seu olhar ficasse parado. Vítreo. Vazio de tudo. Antes que ele pudesse se recuperar, foi levado para a enfermaria. Logo trouxeram outro paciente para outra aplicação de choque. O psiquiatra se virou para a senhora a quem pretendia ensinar e disse: “aperte o botão!”. Ao que ela respondeu: “não aperto!”. Era 1944 e Nise da Silveira tinha acabado de ser readmitida no serviço público após oito anos de perseguição e afastamento.
Durante esses anos todos que passei afastada, entrou em voga na psiquiatria uma série de tratamentos e medicamentos novos que antes não se usavam. Aquele miserável daquele português, Egas Moniz, que ganhou o prêmio Nobel, tinha inventado a lobotomia. Outras novidades eram o eletrochoque, o choque de insulina e o de Cardiazol. (SILVEIRA apud MELLO, 2014, p. 89)
O não irredutível de Nise mostrou os primeiros contornos daquilo que seria considerado intolerável no tratamento psiquiátrico por todos aqueles que vieram depois dela – de Foucault a Basaglia. Mesmo assim, Nise só alcançou um reconhecimento maior depois que Jung legitimou o seu trabalho. O que fala muito de uma sociedade que ainda reduz a reverberação, ou até mesmo silencia, as vozes femininas que não são amplificadas por vozes masculinas.
A doutora vermelha
Nise chegou ao Rio de Janeiro em 1927, movida pela vontade de estudar neurologia. Ela e o marido, Mário Magalhães da Silveira, alugaram um quarto em Santa Teresa e foram surpreendidos pela vista da Baia da Guanabara e pela vizinhança que deixava ao alcance dos olhos a vida de escritores e militantes políticos. Certo dia, Nise percebeu um jovem batendo insistentemente na porta de Manuel Bandeira. Da janela, disse: “ele acabou de pegar o bonde”. Nise sabia que Bandeira estava em casa, mas a pequena mentira rendeu uma amizade com o poeta que, no dia seguinte, entregou a ela um livro com uma dedicatória em agradecimento. Esses encontros inesperados pareciam guardar um potencial explosivo para produção do novo.
Com o pouco dinheiro que me restava (…) aluguei um pequeno quarto no Curvelo, em Santa Teresa, quarto modesto, mas de onde eu gozava de uma paisagem maravilhosa. Rua muito pobre. Porém, tive a sorte de ter vizinhos extraordinários. De um lado, a família do líder comunista, muito culto, Octávio Brandão (…). Para enriquecer ainda mais essa rua, morava ali o poeta Manuel Bandeira. (Silveira apud Mello, 2014, p. 61)
Esse encontro inesperado entre a medicina, a poesia e a política abriram janelas para que Nise se tornasse quem era: ela não se atinha a livros, tratados e convenções, estava sempre questionando o saber estabelecido. Começou a estudar Marx e frequentar reuniões do Partido Comunista Brasileiro, também fez parte da ala médica da União Feminina Brasileira (UFB), que defendia os interesses de mulheres que viviam em situação precária.
Eu era interessada nas coisas políticas do país, mas sempre tive muita dificuldade em me acomodar em organizações. Eu não me acomodava dentro do Partido Comunista. Eu queria fazer concurso para medicina e os companheiros de partido não se conformavam que eu me dedicasse tanto tempo a esse concurso. Eu estudava dia e noite e, naturalmente, faltava muito às reuniões. Acabaram me expulsando acusada de trotskista. (Idem, p. 67)
Em outubro de 1932, Nise foi morar no Hospital da Praia Vermelha como médica residente. Ficava num pequeno quarto com mesa, cama e uma pia. Ela trabalhava no Instituto de Neurologia, mas estava sempre caminhando entre os pacientes internados no hospício que funcionava num prédio próximo.
Nos livros lia-se que os esquizofrênicos não possuíam afetividade. Comecei a desconfiar dos livros. Morando no hospício, compreendi que não havia nada disso. Eles possuíam afetividade. O problema era como vir à tona. (…) A própria palavra hospício já criava um clima apavorante. Eu andava muito por ali e observava as mulheres internadas. E gostava muito delas. Comecei a me interessar por aquele mundo. (…) Não tive dúvidas iria me especializar em psiquiatria. (…) Desde cedo não concordava com os livros. Via a realidade dos doentes mentais e achava que os médicos da psiquiatria convencional, oficial, não estavam certos. Eram rígidos e partiam de princípios errados. (Idem, p. 70)
Encontrei uma moça que andava de um lado para o outro, como um azougue. Ela não conseguia construir uma frase. Tentei me comunicar (…). Ela não respondeu. Logo em seguida, veio a funcionária da lavanderia, que começou a preencher um rol de roupas e escreveu a palavra peignoir de maneira errada. Qual não foi a minha surpresa ao ver a moça parar, deter-se sobre aquela folha de papel e corrigir a palavra. Nesse momento, compreendi que tinha tentado me comunicar com ela de maneira muito limitada, muito clara, óbvia para mim, mas sem procurar entendê-la. Talvez ela andasse de um lado para outro exatamente para esquecer aquele mundo exterior, que eu vim lembrar a ela, achando que seria o único caminho para nos entendermos. (…) Você não pode querer compreender alguém estabelecendo apenas uma maneira de se aproximar dele. O importante não é a linguagem, é saber se comunicar com o outro. Se não, é como falar português com um árabe. (Idem, p. 71)
Menos de um ano depois de chegar ao Hospital da Praia Vermelha, Nise foi aprovada no concurso para médica psiquiatra da Divisão Nacional de Saúde Mental.
As descobertas do cárcere
Em fevereiro de 1936, início da Ditadura Vargas, a União Feminina Brasileira (UFB) foi fechada. Nise foi presa pela primeira vez por trabalhar como médica voluntária da UFB. Essa prisão durou apenas algumas horas. No entanto, um mês depois, Nise foi presa novamente e levada para o DOPS, sendo transferida para o Presídio Frei Caneca, onde permaneceu até junho de 1937. O mais curioso da prisão de Nise é que ela foi acusada de “pertencer a um círculo de ideias incompatíveis com a democracia” (MELLO, 2014, p. 75).
Uma enfermeira do hospital [da Praia Vermelha] denunciou Nise ao diretor, acusando-a de ter em seu quarto “literatura comunista” em meio a livros de psiquiatria. (…) Enquanto Nise ficou presa, ela permaneceu na famosa Sala Quatro, o cárcere das presas políticas. (MELLO, 2014, p. 13)
Depois que me transferiram para a famosa Sala Quatro onde estavam, entre outras, Olga Prestes, grávida, e Elisa Berger (…). Elisa era fantástica! O marido, Harry Berger, também estava preso e sofreu até enlouquecer. Eles torturavam Berger de uma maneira terrível. (…) Ouvir aquilo tudo me atingiu muito. (…) a prisão foi uma experiência decisiva para a minha vida. (SILEVEIRA apud MELLO, 2014, p. 76)
Na prisão, Nise conheceu também o escritor Graciliano Ramos, que descreveu o encontro dos dois no livro Memórias do Cárcere: “noutro lugar o encontro me daria prazer. O que senti foi surpresa, lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos” (RAMOS apud MELLO, 2014, p. 77).
Mais de um ano depois, já em liberdade, Nise soube que Luiza, uma paciente com quem conversava muito e que costumava fazer café para as duas, derrubou a enfermeira delatora com um soco. Luiza era considerada “completamente embotada afetivamente e desligada da realidade” e, no entanto, agia com um extraordinário – e violento – senso de justiça. Esse episódio voltou à cabeça de Nise nos oito anos de afastamento do serviço público: o louco extrapolava o livro e os diagnósticos que pareciam querer aprisioná-lo tanto quanto o tratamento. A experiência do cárcere trouxe não só um possível paralelo entre a prisão e o hospício como também mostrou a Nise que a criatividade e o afeto têm potencial de cura. Era nas leituras e nas longas conversas com os companheiros de prisão que ela se sentia livre.
Um encontro possível: Nise e Wollstonecraft
Nise da Silveira nasceu em 1905, em Maceió. Com apenas 16 anos, foi aprovada no exame para a Faculdade de Medicina da Bahia. Era a única mulher numa turma de 157 homens.
Houve um episódio que mostra bem o preconceito (…) em relação ao fato de Nise, uma mulher, estar “ousando” estudar medicina… Numa das primeiras aulas, o professor de parasitologia, Pirajá da Silva, falou que ia ser criado um serpentário na faculdade. Em seguida, entrou na sala seu assistente com uma serpente dentro de um vidro. O professor pinçou-a e pediu que Nise segurasse o animal diante da turma. Ela imediatamente estendeu os braços e segurou o animal. Ela comentava comigo que neste instante percebeu nos olhos do professor a representação do mal, mas que se manteve firme. (MELLO, 2014, p. 52)
Mais de um século após a publicação de Reivindicação dos direitos da mulher, Nise via erguerem-se em tono de si muros semelhantes aos que separavam Mary Wollstonecraft de conquistar a cidadania plena. A conquista dos direitos pelas mulheres nunca é permanente. É necessário um estado de constante vigilância diante dos possíveis retrocessos. Nise não foi enviada à guilhotina, como aconteceu com Olympe de Gouges, mas teve que estremecer o muro tão sólido quanto invisível da falsa razão.
Empregam a razão para justificar preconceitos, assimilados quase sem saber como, em vez de desarraigá-los. Prevalece uma espécie de covardia intelectual que faz com que muitos homens recuem diante da tarefa ou simplesmente façam pela metade. No entanto, as conclusões imperfeitas a que chegam são, com muita frequência, muito plausíveis, porque se constroem a partir de uma experiência parcial e de pontos de vista justificados, ainda que estreitos. (WOLLSTONECRAFT, 2016, p. 32)
A luta de Nise contra “a incompreensão dos psiquiatras e a violência dos tratamentos” (MELLO, 2014, p. 20) parece ter se apoiado nas palavras de Wollstonecraft. Um dos maiores símbolos dessa luta – e das terríveis perdas que Nise enfrentou pelo caminho – foi a lobotomia de um de seus pacientes.
Lúcio frequentava o Serviço de Terapêutica Ocupacional, fundada por Nise em 1946, no Centro Psiquiátrico Nacional. Esculpia guerreiros que, segundo ele, o protegeriam na sua “luta cósmica contra as forças do mal” e chegou a participar de uma exposição do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Ele foi lobotomizado na mesma época da exposição, apesar de todas as investidas de Nise contra a tal cirurgia. “Vão decapitar um artista”, ela dizia. Nise publicou na revista Medicina, Cirurgia Farmácia de janeiro de 1955 a produção plástica de Lúcio antes e depois da operação. Seus trabalhos se tornaram irreconhecíveis, regredindo à mais primária condição. Esse exemplo de destruição da criatividade e da inteligência de um ser humano foi denunciado por Nise de diversas maneiras: em livros, palestras e no Primeiro Congresso Mundial de Psiquiatria, em Paris. (MELLO, 2014, p.20)
A lobotomia, hoje considerada um dos episódios mais bárbaros da história da psiquiatria, rendeu um Nobel a Egas Moniz. Fato que poderia ser confrontado com as seguintes palavras de Wollstonecraft: “até a verdade se perde em um emaranhado de palavras, a virtude se perde nas formas e o conhecimento se transforma em um sonoro nada por causa dos preconceitos enganadores que assumem seu nome”.
A atualidade do pensamento de Nise e Mary nos lembra de que, mesmo os direitos já conquistados, não são permanentes. Seja para a Luta Antimanicomial, recentemente ameaçada pela nomeação de Valencius Wurch para a Coordenação Nacional de Saúde Mental; seja para o feminismo, que sofre duros ataques do atual Congresso.
Para evitar essas sucessivas “decapitações” e “reconstruções de velhos muros”, é necessário transformar o “não” das mulheres que vieram antes de nós em força coletiva. Nas palavras de Wollstonecraft: “trabalhar reformando a si mesma para reformar o mundo”.
Bibliografia:
MELLO, Luiz Carlos. Nise da Silveira: caminhos de uma psiquiatra rebelde. Rio de Janeiro: Automática, 2014.
SILVEIRA, Nise da. Imagens do Inconsciente. Rio de Janeiro: Vozes, 2015.
WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos Direitos da Mulher. São Paulo: Boitempo, 2015.
Nise da Silveira – entrevistado por
Luiz Gonzaga Pereira dos Santos
Uma mulher de muita vivência e que tem a idade das ilusões
Nise da Silveira é aquariana, nascida em 15 de fevereiro e diz ter a idade das ilusões, não revelando a idade. Alagoana, residente no Rio de Janeiro, tem uma história de vida pautada pelas polêmicas e “edificações” revolucionárias, no campo profissional.
Em 1946 fundou a seção da terapêutica ocupacional no Centro Psiquiátrico do Rio de Janeiro. Seis anos mais tarde, em 1952, também no Centro Psiquiátrico do Rio, fundou o Museu do Inconsciente que se transformou no importante centro de estudos e pesquisas que reúne obras produzidas nos ateliês de atividades expressivas (pintura e modelagem). O museu de Imagens do Inconsciente tornou-se conhecido em todo o mundo e suas pesquisas deram origem a exposições, filmes, documentários, simpósios, conferências e cursos, tanto no que se refere à terapêutica ocupacional, quanto à importância das imagens do inconsciente na compreensão do mundo interior do esquizofrênico.
Em 1956 a Dra. Nise fundou o primeiro serviço de Egressos (campo das Palmeiras). Nesse serviço, as atividades expressivas eram realizadas por pacientes em regime de externato, tendo sido a primeira instituição que desenvolveu um projeto de desistitucionalização dos manicômios no Brasil. Assim, já nessa época, por intermédio de Nise da Silveira, os pacientes saem das “amarras”.
Nise da Silveira é também responsável pela formação do grupo de estudos Carl Gustav JUNG, grupo que preside desde 1968. É também membro fundadora da Sociedade Internacional de Psicopatologia da Expressão, com sede em Paris.
Na literatura Nise é estudiosa de Machado de Assis, autor que foi a ela “apresentado” por seu pai. Desde cedo teve contato com a obra de Spinoza, tendo, inclusive, publicado um livro intitulado “Cartas a Spinoza”, que evidencia seu profundo conhecimento sobre o “teórico da loucura”.
Por suas atividades políticas, Nise da Silviera foi presa durante o Estado Novo e partilhou cela com Olga Benário, judia que foi entregue à Gestapo de Hitler pelo governo brasileiro. Nise foi também contemporânea de Graciliano Ramos na Prisão, tendo sido personagem do livro e posteriormente filme, Memórias do Cárcere e da novela “Kananga do Japão”.
Por reconhecimento à sua obra Nise da Silveira tem recebido condecorações, títulos e prêmios nas mais diferentes áreas do conhecimento: saúde, educação, arte, literatura etc.
A revista “Psicologia: Ciência e Profissão “publicou essa entrevista exclusiva, feita pelo terapeuta ocupacional e professor da Universidade Federal de Pernambuco, Luís Gonzaga Pereira Leal, no dia 28 de julho de 1992, em sua residência no Rio de Janeiro, na qual a Dra. Nise fala de sua vida, sua obra e suas “preferências”, em geral.
O que é Mito?
Quem é que sabe. É a expressão do inconsciente, digamos assim. O mito é como uma espécie de trilha. Se você partir do mito, Você chega onde quiser.
Quem é que sabe. É a expressão do inconsciente, digamos assim. O mito é como uma espécie de trilha. Se você partir do mito, Você chega onde quiser.
Você é uma pessoa que é bastante entusiasmada com o mito de Dionísius…
Não só pelo mito de Dionísius. Sou também entusiasmada por todos os mitos, inclusive pelo mito de Dafne, sobre o qual tenho um trabalho que encontra-se publicado no livro “Imagens do Inconsciente”. Os mitos egípcios também. A barca do sol, que aparece nos desenhos de Carlos Pertins. Pouco antes dele morrer, ele pintou o sol num barco. E os egípcios viam o sol todos os dias fazer a volta da terra num barco. O sol, à noite, combatia com dragões terríveis. Não queriam que ele renascesse.
Não só pelo mito de Dionísius. Sou também entusiasmada por todos os mitos, inclusive pelo mito de Dafne, sobre o qual tenho um trabalho que encontra-se publicado no livro “Imagens do Inconsciente”. Os mitos egípcios também. A barca do sol, que aparece nos desenhos de Carlos Pertins. Pouco antes dele morrer, ele pintou o sol num barco. E os egípcios viam o sol todos os dias fazer a volta da terra num barco. O sol, à noite, combatia com dragões terríveis. Não queriam que ele renascesse.
Nos fale um pouco sobre o mito de Dionísius.
Ah! O mito de Dionísius é de grande complexidade. Há várias versões desse mito. Há a versão na qual ele é apresentado como filho de Deméter, segundo uns, ou de Penepólis, segundo outros. E há o mito mais corrente que narra Dionisius como filho de Senele que era filha de um rei; era uma mulher mortal. Dionísius é Filho de Deus nuns mitos; Filho de uma mulher mortal noutros. Cheguei a escrever um trabalho sobre Dionísius, motivada pelas pinturas de internatos do Hospital de Engenho de Dentro. É importante saber que, quando o consciente está sufocado pelo inconsciente, a pessoa passa a se comunicar através da linguagem dos mitos. Foi por isso mesmo que Jung me sugeriu: “Se você não conhecer os mitos jamais entenderá os delírios dos pacientes, nem tampouco as imagens que eles pintam”. Disso isto em resposta à minha queixa, de que eu estava muito insatisfeita com o trabalho no Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro. Eu buscava uma outra coisa. Isto foi por ocasião do II Congresso Mundial de Psiquiatria em 1957, cujo tema central era a esquizofrenia. Fazia parte desse Congresso uma sessão de pinturas e expressões plásticas. Então eu levei um material daqui. Quer dizer: dos internos do Hospital de Engenho de Dentro. Eu já tinha estudado um pouco de Jung, mas não tinha me aprofundado, nem me familiarizado com a linguagem do inconsciente, a linguagem mística que ele tanto preconiza e acha indispensável para que o médico possa atender e, portanto, entrar em relação com o doente através de uma linguagem comum.
Ah! O mito de Dionísius é de grande complexidade. Há várias versões desse mito. Há a versão na qual ele é apresentado como filho de Deméter, segundo uns, ou de Penepólis, segundo outros. E há o mito mais corrente que narra Dionisius como filho de Senele que era filha de um rei; era uma mulher mortal. Dionísius é Filho de Deus nuns mitos; Filho de uma mulher mortal noutros. Cheguei a escrever um trabalho sobre Dionísius, motivada pelas pinturas de internatos do Hospital de Engenho de Dentro. É importante saber que, quando o consciente está sufocado pelo inconsciente, a pessoa passa a se comunicar através da linguagem dos mitos. Foi por isso mesmo que Jung me sugeriu: “Se você não conhecer os mitos jamais entenderá os delírios dos pacientes, nem tampouco as imagens que eles pintam”. Disso isto em resposta à minha queixa, de que eu estava muito insatisfeita com o trabalho no Hospital Psiquiátrico de Engenho de Dentro. Eu buscava uma outra coisa. Isto foi por ocasião do II Congresso Mundial de Psiquiatria em 1957, cujo tema central era a esquizofrenia. Fazia parte desse Congresso uma sessão de pinturas e expressões plásticas. Então eu levei um material daqui. Quer dizer: dos internos do Hospital de Engenho de Dentro. Eu já tinha estudado um pouco de Jung, mas não tinha me aprofundado, nem me familiarizado com a linguagem do inconsciente, a linguagem mística que ele tanto preconiza e acha indispensável para que o médico possa atender e, portanto, entrar em relação com o doente através de uma linguagem comum.
Jung, para Você foi uma pista ou um mestre?
As duas coisas. Une mestre e pista.
As duas coisas. Une mestre e pista.
No entanto Você não é apegada exclusivamente a ele…
Ah! Claro. Eu tenho um encanto por Laing. Porque o que caracteriza meu trabalho em psiquiatria, meu entusiasmo pela psiquiatria, meu apego ao que se chama de psiquiatria, é a pesquisa do mundo interno do processo psicótico. Do que se passa no mundo interno do psicótico, sem desprezar naturalmente o mundo externo, porque nós vivemos simultaneamente em dois mundos, o mundo externo e o mundo interno. Mas o que acontece é que a maioria dos psiquiatras, mesmo atualmente, só valorizam o mundo externo. O movimento Baságlia, que eu aprecio, e estou de acordo de que estes velhos manicomônios que se parecem prisões sejam implodidos, é um movimento que ao meu ver não se ocupa do mundo interno do paciente.
Ah! Claro. Eu tenho um encanto por Laing. Porque o que caracteriza meu trabalho em psiquiatria, meu entusiasmo pela psiquiatria, meu apego ao que se chama de psiquiatria, é a pesquisa do mundo interno do processo psicótico. Do que se passa no mundo interno do psicótico, sem desprezar naturalmente o mundo externo, porque nós vivemos simultaneamente em dois mundos, o mundo externo e o mundo interno. Mas o que acontece é que a maioria dos psiquiatras, mesmo atualmente, só valorizam o mundo externo. O movimento Baságlia, que eu aprecio, e estou de acordo de que estes velhos manicomônios que se parecem prisões sejam implodidos, é um movimento que ao meu ver não se ocupa do mundo interno do paciente.
Quer dizer que uma proposta de organização do mundo externo do paciente pouco adianta se o mesmo internamente não possui uma organização?
Não só isto. Ele, o paciente, não entende a linguagem do mundo externo. Eu parto sempre do que o doente diz, escuta ou faz. Nem sempre considero aquilo que os livros falam. Nem mesmo os de Jung. No entanto, há uma grande coincidência no que o doente faz, sente e fala e o que Jung ensina. Por exemplo: Fernando Diniz em certa ocasião falou: “mudei para o mundo das imagens”. Fernando era o único desses nossos pacientes que tinha uma cultura maior. Estava fazendo o colegial quando adoeceu. E tinha um racional desenvolvido; entretanto, ele se espantou com suas imagens devido a problemas emocionais. O inconsciente invadiu esse mundo racional onde ele vivia. Então ele diz espantado: “mudei para o mundo das imagens. As imagens tomam a alma da pessoa”. Se o próprio doente diz que está tomado pelas imagens, porque você vai continuar buscar entendê-lo exclusivamente através de uma linguagem racional? Ele não vai te entender. Se importa ele em responder: que horas são? que dia é hoje? E outras perguntas semelhantes do mundo externo valorizadas pela psiquiatria tradicional. No prontuário de Fernando Diniz, muitas vezes encontrei escrito: desorientado no tempo e espaço. Entretanto Fernando Diniz lia livros de física atômica. Muitas vezes ia a livrarias acompanhado de um estagiário e escolhia livros.
Não só isto. Ele, o paciente, não entende a linguagem do mundo externo. Eu parto sempre do que o doente diz, escuta ou faz. Nem sempre considero aquilo que os livros falam. Nem mesmo os de Jung. No entanto, há uma grande coincidência no que o doente faz, sente e fala e o que Jung ensina. Por exemplo: Fernando Diniz em certa ocasião falou: “mudei para o mundo das imagens”. Fernando era o único desses nossos pacientes que tinha uma cultura maior. Estava fazendo o colegial quando adoeceu. E tinha um racional desenvolvido; entretanto, ele se espantou com suas imagens devido a problemas emocionais. O inconsciente invadiu esse mundo racional onde ele vivia. Então ele diz espantado: “mudei para o mundo das imagens. As imagens tomam a alma da pessoa”. Se o próprio doente diz que está tomado pelas imagens, porque você vai continuar buscar entendê-lo exclusivamente através de uma linguagem racional? Ele não vai te entender. Se importa ele em responder: que horas são? que dia é hoje? E outras perguntas semelhantes do mundo externo valorizadas pela psiquiatria tradicional. No prontuário de Fernando Diniz, muitas vezes encontrei escrito: desorientado no tempo e espaço. Entretanto Fernando Diniz lia livros de física atômica. Muitas vezes ia a livrarias acompanhado de um estagiário e escolhia livros.
Voltando a Dionísius. Como você encara a manifestação de Dionísius na atualidade?
Eu vejo que Dionísius está presente, muito presente na atualidade. Mas vejo também que não é o Dionísius dos mitos, nem Dionísius de Netzsche. Ele é um Dionísius muito sombrio, porque a componente “mal” da psique parece que está solta. E essa é a tese que o grupo de estudo atualmente está empenhado em estudar com relação aos meninos de rua. Estuda-se o aspecto social, mas o aspecto social só não dá para explicar tudo. A componente profunda que existe em todos nós -a componente psíquica – está desabrida. Essa componente, segundo Jung, é um dos complexos de oposições, daí ele estudar em um livro perturbador, onde relembra da Bíblia todos os sofrimentos de Jó e os atribui à ausência de um elemento fundamental da psique, que é o elemento feminino, que é a Sófia. Este é um período muito sem amor, muito sem compaixão.
Eu vejo que Dionísius está presente, muito presente na atualidade. Mas vejo também que não é o Dionísius dos mitos, nem Dionísius de Netzsche. Ele é um Dionísius muito sombrio, porque a componente “mal” da psique parece que está solta. E essa é a tese que o grupo de estudo atualmente está empenhado em estudar com relação aos meninos de rua. Estuda-se o aspecto social, mas o aspecto social só não dá para explicar tudo. A componente profunda que existe em todos nós -a componente psíquica – está desabrida. Essa componente, segundo Jung, é um dos complexos de oposições, daí ele estudar em um livro perturbador, onde relembra da Bíblia todos os sofrimentos de Jó e os atribui à ausência de um elemento fundamental da psique, que é o elemento feminino, que é a Sófia. Este é um período muito sem amor, muito sem compaixão.
Nesta caso Você entende que o caos, essa turbulência pela qual o mundo está passando, é também uma manifestação de Dionísius “mal”?
Não digo do Dionísius. Dionísius será sempre uma figura manchada pelo mal. Não totalmente. Muito do Dionísius sadio persiste, felizmente.
Não digo do Dionísius. Dionísius será sempre uma figura manchada pelo mal. Não totalmente. Muito do Dionísius sadio persiste, felizmente.
Como? Em que sentido?
Na música, na dança. Ai de nós se uma grande parte de Dionísius sadio não permanecesse viva. Uma parte da componente “mal”, que existe em todos nós, anda se sobressaindo e solta, sem que as outras partes se entrosem e aceitem o mal. Temos de aceitar o mal, mas não deixá-lo solto a ponto de sufocar as outras componentes da psique que são o bem.
Na música, na dança. Ai de nós se uma grande parte de Dionísius sadio não permanecesse viva. Uma parte da componente “mal”, que existe em todos nós, anda se sobressaindo e solta, sem que as outras partes se entrosem e aceitem o mal. Temos de aceitar o mal, mas não deixá-lo solto a ponto de sufocar as outras componentes da psique que são o bem.
Ontem, falávamos sobre os meninos de rua e Você dizia de sua admiração por Joãozinho Trinta…
Admiro Joãozinho Trinta, porque ele é um grande sacerdote de Dionísius. E porque ele procura nesse apoio, nesse amparo que ele dá a tantas crianças de rua, alegria e afeto. Pelo que eu leio, as oficinas de trabalho dele com os meninos são preparos para o carnaval. Enquanto… se você for a um CIESP, não sei, nunca fui, é uma hipótese, poderá estar uma professora, talvez áspera, demasiado racional. Não é que eu preconize o apagamento do racional, mas é preciso que o afeto não seja esvaziado.
Admiro Joãozinho Trinta, porque ele é um grande sacerdote de Dionísius. E porque ele procura nesse apoio, nesse amparo que ele dá a tantas crianças de rua, alegria e afeto. Pelo que eu leio, as oficinas de trabalho dele com os meninos são preparos para o carnaval. Enquanto… se você for a um CIESP, não sei, nunca fui, é uma hipótese, poderá estar uma professora, talvez áspera, demasiado racional. Não é que eu preconize o apagamento do racional, mas é preciso que o afeto não seja esvaziado.
Você entende o afeto como uma mola propulsora em tudo…
Exatamente. Uma mola propulsora em tudo.
E me parece que este foi um dos grandes dilemas que Você teve com a psiquiatria: a forma como Você encaminhava o seu trabalho centrado nos afetos, nas canalizações dos afetos e criando assim uma atmosfera afetiva na qual os pacientes pudessem viver…
O meu desencanto com a psiquiatria é pela grande marca que ela tem do cartesianismo.
O meu desencanto com a psiquiatria é pela grande marca que ela tem do cartesianismo.
E a psicanálise?
A psicanálise é o grande elemento de abertura para o inconsciente. Freud era um grande conhecedor dos mitos. Freud sabia muito sobre mitos, mas alguma coisa o amarrava. Não sei exatamente o quê. Ele caminhava, enxergava o mito que estava por traz do problema, mas parava. Ele conhecia muito bem. Em “Moisés e o Monoteísmo”, ele faz referência ao inconsciente filogenético, mas não avança. A interpretação do ponto de vista sexual tinha tamanha força que isto o segurava. É isso que Você encontra em todas as interpretações dele. Por exemplo: no estudo que ele faz sobre Leonardo Da Vinci, ele vem como as duas mães, Catarina e Dona Albiera. A relação dele com Catarina, a mãe… Em seguida entra em cena a fantasia que ele acha: Leonardo conta como um sonho, mas que ele acha que não foi um sonho, foi uma fantasia, uma imaginação. Ele associa o seio de Catarina ao fálus e faz então um Leonardo uma certa suspeição de homossexualidade. Pelo menos uma atração, não propriamente uma prática. Freud não se refere a uma prática homossexual, mas uma atração pelo homem. Em um dos meus livros, faço duas leituras do quadro de Leonardo da Vinci. Uma freudiana e outra jungiana. As duas mães aparecem como um tema mítico. Então me dirijo ao mistério de Eneusis, onde estão presentes Demeter, Persefona, e Dionísius. É aí que nascem os mistérios.
A psicanálise é o grande elemento de abertura para o inconsciente. Freud era um grande conhecedor dos mitos. Freud sabia muito sobre mitos, mas alguma coisa o amarrava. Não sei exatamente o quê. Ele caminhava, enxergava o mito que estava por traz do problema, mas parava. Ele conhecia muito bem. Em “Moisés e o Monoteísmo”, ele faz referência ao inconsciente filogenético, mas não avança. A interpretação do ponto de vista sexual tinha tamanha força que isto o segurava. É isso que Você encontra em todas as interpretações dele. Por exemplo: no estudo que ele faz sobre Leonardo Da Vinci, ele vem como as duas mães, Catarina e Dona Albiera. A relação dele com Catarina, a mãe… Em seguida entra em cena a fantasia que ele acha: Leonardo conta como um sonho, mas que ele acha que não foi um sonho, foi uma fantasia, uma imaginação. Ele associa o seio de Catarina ao fálus e faz então um Leonardo uma certa suspeição de homossexualidade. Pelo menos uma atração, não propriamente uma prática. Freud não se refere a uma prática homossexual, mas uma atração pelo homem. Em um dos meus livros, faço duas leituras do quadro de Leonardo da Vinci. Uma freudiana e outra jungiana. As duas mães aparecem como um tema mítico. Então me dirijo ao mistério de Eneusis, onde estão presentes Demeter, Persefona, e Dionísius. É aí que nascem os mistérios.
Você andou estudando também o Reino das Mães. Do que se trata este estudo?
Estudei sim. Também levada pelos trabalhos dos doentes. Eu prefiro ser conduzida pelo doente. Nas suas produções plásticas pude encontrar mães que vão desde o Neolítico até hoje. Uma doente de nome Adenina, está estudada no livro “Imagens do Inconsciente”, através do mito de Dafne. Neste caso pude encontrar as mães do Paleolítico. Mães terríveis, que vão se desdobrando. Elas abrem o peito, mostram o coração e Você chega finalmente à representante da nossa civilização, a mãe Maria e caminha-se talvez para uma salvação, para Sofia. Na Bíblia, você encontra Sofia antes da criação do mundo e Jung acha que o período de Jó simboliza bem, como Deus permite, e muita gente diz, que aconteçam tantas desgraças. Jung, em seus trabalhos, valorizou bastante o princípio feminino. Sobre a Trindade, que conduz do dogma da assunção de Maria.
Estudei sim. Também levada pelos trabalhos dos doentes. Eu prefiro ser conduzida pelo doente. Nas suas produções plásticas pude encontrar mães que vão desde o Neolítico até hoje. Uma doente de nome Adenina, está estudada no livro “Imagens do Inconsciente”, através do mito de Dafne. Neste caso pude encontrar as mães do Paleolítico. Mães terríveis, que vão se desdobrando. Elas abrem o peito, mostram o coração e Você chega finalmente à representante da nossa civilização, a mãe Maria e caminha-se talvez para uma salvação, para Sofia. Na Bíblia, você encontra Sofia antes da criação do mundo e Jung acha que o período de Jó simboliza bem, como Deus permite, e muita gente diz, que aconteçam tantas desgraças. Jung, em seus trabalhos, valorizou bastante o princípio feminino. Sobre a Trindade, que conduz do dogma da assunção de Maria.
Ultimamente Você tem manifestado uma certa antipatia pelo nome Terapia Ocupacional. Eu te pergunto: a antipatia é pelo nome em si ou à prática?
Naturalmente pela prática, e isso também eu aprendi com os doentes. Em Terapia Ocupacional exigia-se que os doentes arrumassem, limpassem e varressem o Hospital. Exigia-se muito do doente. Disto eu sempre fui contra isso. Quando assumi a direção da Terapia Ocupacional em 1994, mudei inteiramente essa situação. Criamos oficinas, e nas oficinas os pacientes criavam com toda a liberdade.
Naturalmente pela prática, e isso também eu aprendi com os doentes. Em Terapia Ocupacional exigia-se que os doentes arrumassem, limpassem e varressem o Hospital. Exigia-se muito do doente. Disto eu sempre fui contra isso. Quando assumi a direção da Terapia Ocupacional em 1994, mudei inteiramente essa situação. Criamos oficinas, e nas oficinas os pacientes criavam com toda a liberdade.
Acredito que essas mudanças na Terapia Ocupacional passaram não tanto pela Nise psiquiatra, mas pela Nise pessoa, Nise mulher…
Acredito também. Porque estas mudanças ocorreram muito antes de eu ter um contato maior com a psicologia Jungiana, com anti-psiquiatria. Pretendia que o paciente na Terapia Ocupacional tomasse conhecimento com a matéria. E, outra vez, um paciente me mostrou que eu estava no caminho certo, quando certa vez me ofereceu um coração em madeira e no centro do coração um livro aberto. Quando me ofereceu isso, me disse: “um livro é muito importante, a ciência é muito importante, mas se se desprender do coração não vale nada”. Tudo que eu sei de psiquiatria aprendi com eles.
Acredito também. Porque estas mudanças ocorreram muito antes de eu ter um contato maior com a psicologia Jungiana, com anti-psiquiatria. Pretendia que o paciente na Terapia Ocupacional tomasse conhecimento com a matéria. E, outra vez, um paciente me mostrou que eu estava no caminho certo, quando certa vez me ofereceu um coração em madeira e no centro do coração um livro aberto. Quando me ofereceu isso, me disse: “um livro é muito importante, a ciência é muito importante, mas se se desprender do coração não vale nada”. Tudo que eu sei de psiquiatria aprendi com eles.
Você é uma pessoa preocupada em estudar literatura…
Eu sou uma pessoa que desde muito cedo cultivei o racional. Tanto que me apaixonei por Geometria. Meu pai era professor de Geometria. Cheguei a Spinoza através da geometria.
Eu sou uma pessoa que desde muito cedo cultivei o racional. Tanto que me apaixonei por Geometria. Meu pai era professor de Geometria. Cheguei a Spinoza através da geometria.
Falando em infância, como foi a sua?
Foi felicíssima. Filha única. Mimadíssima. Minha mãe, musicista, tangenciando a genialidade. Meu pai, um homem que lia muito matemática e literatura. Ele tinha uma boa biblioteca. E sendo assim, li Machado de Assis muito cedo.
Foi felicíssima. Filha única. Mimadíssima. Minha mãe, musicista, tangenciando a genialidade. Meu pai, um homem que lia muito matemática e literatura. Ele tinha uma boa biblioteca. E sendo assim, li Machado de Assis muito cedo.
Você leu Machado de Assis por influência do pai ou por curiosidade?
Porque minha professora de português me fazia analisar. Primeiro foi Camões, que eu odiei. As figuras todas de retórica que ela não ensinava procurei esquecer tudo e odiar. Depois eu fiz as pazes com Camões que é um grande poeta. De Machado o primeiro livro que eu li, estudando português, foi a “Cartomante”. O irmão da minha mãe era poeta. Vivia em Recife. Era Pernambucano. Eu sou alagoana. Nasci em Maceió, mas minha mãe e meu pai são pernambucanos. De modo que um dos grandes prazeres meus na infância era irmos a Recife. Então, como não havia televisão nessa ocasião, todo mundo recitava Castro Alves, minha mãe chegou a musicar e cantava com uma bela voz de contralto. Meu avô também me fazia perplexa. Lembro-me dele com uma toalha no ombro caminhando para o banheiro antes de ir para o emprego burocrático que ele exercia, recitando: “Vai Colombo. Abre a cortina de minha eterna oficina e tira a América de lá”. Nunca havia pegado num livro, mas de tanto ouvir terminava decorando. Eu não entendia bem, “como é que se vai tirar a América?” Como será isso? (risos). Não perguntava a ele porque ele era uma pessoa austera. Certa vez perguntei a minha mãe e ela me mostrou o livro.
Porque minha professora de português me fazia analisar. Primeiro foi Camões, que eu odiei. As figuras todas de retórica que ela não ensinava procurei esquecer tudo e odiar. Depois eu fiz as pazes com Camões que é um grande poeta. De Machado o primeiro livro que eu li, estudando português, foi a “Cartomante”. O irmão da minha mãe era poeta. Vivia em Recife. Era Pernambucano. Eu sou alagoana. Nasci em Maceió, mas minha mãe e meu pai são pernambucanos. De modo que um dos grandes prazeres meus na infância era irmos a Recife. Então, como não havia televisão nessa ocasião, todo mundo recitava Castro Alves, minha mãe chegou a musicar e cantava com uma bela voz de contralto. Meu avô também me fazia perplexa. Lembro-me dele com uma toalha no ombro caminhando para o banheiro antes de ir para o emprego burocrático que ele exercia, recitando: “Vai Colombo. Abre a cortina de minha eterna oficina e tira a América de lá”. Nunca havia pegado num livro, mas de tanto ouvir terminava decorando. Eu não entendia bem, “como é que se vai tirar a América?” Como será isso? (risos). Não perguntava a ele porque ele era uma pessoa austera. Certa vez perguntei a minha mãe e ela me mostrou o livro.
Por onde você transitava?Falando em Recife, que recordações você guarda?
Das minhas viagens.
Tenho lembranças não muitas. Uma era a irmã do meu pai que morava em Casa Forte. Algumas vezes, nos hospedávamos lá. Era a Campina da Casa Forte. Era um verde enorme. Então ficávamos lá, na casa de minha tia que tinha duas filhas. E havia o colégio da Sagrada Família, onde minha prima estudava pintura. Achava bonito. E a casa do meu avô, pai de minha mãe. Minha avó eu não conheci. Ele morava com uma filha solteira e um filho poeta que já aos 15 anos publicou um livro de versos. Ele teve vários filhos, entre eles um que era predileção minha e da minha família. Era escritor e chamava Léo. É em sua homenagem que este gato se chama Léo.
Falando em fatos, você sempre esteve rodeada por eles. Como é a sua relação com os gatos?
Eu gosto muito de todos os animais. Admito muito o cão. Me sinto humilhada diante do cão. Respeito o cão, porque o cão tem uma qualidade que eu acho belicismo e da qual eu me sinto distante, que é a infinita capacidade de perdoar. Dê um passo que se dê ele é fiel. Nunca se ouviu contar que um cão fizesse um “treta” com seu dono, ou que fosse infiel, que traísse sobre qualquer forma o seu dono. Eu tinha cães em Maceió, porque morava numa casa grande. Com relação aos gatos, de tanto vê-los na rua desamparados, eu ia apanhando e trazendo prá casa. Chequei a ter 23 gatos. O gato não tem essa capacidade de perdoar, como eu não tenho. Eles são muito especiais. No Hospital, introduzi os animais como ajuda para os doentes. Como co-terapêutas. Um analista americano, de quem eu tenho um livro costumava trabalhar com um cão no consultório. Como aliás Freud trabalhava com um cão no consultório; Jung trabalhava com um cão no consultório. Marie Lenize Von Franz, com quem eu fiz análise, trabalhava com um cão no consultório. Aqui o cão não entra nos lugares.
Eu gosto muito de todos os animais. Admito muito o cão. Me sinto humilhada diante do cão. Respeito o cão, porque o cão tem uma qualidade que eu acho belicismo e da qual eu me sinto distante, que é a infinita capacidade de perdoar. Dê um passo que se dê ele é fiel. Nunca se ouviu contar que um cão fizesse um “treta” com seu dono, ou que fosse infiel, que traísse sobre qualquer forma o seu dono. Eu tinha cães em Maceió, porque morava numa casa grande. Com relação aos gatos, de tanto vê-los na rua desamparados, eu ia apanhando e trazendo prá casa. Chequei a ter 23 gatos. O gato não tem essa capacidade de perdoar, como eu não tenho. Eles são muito especiais. No Hospital, introduzi os animais como ajuda para os doentes. Como co-terapêutas. Um analista americano, de quem eu tenho um livro costumava trabalhar com um cão no consultório. Como aliás Freud trabalhava com um cão no consultório; Jung trabalhava com um cão no consultório. Marie Lenize Von Franz, com quem eu fiz análise, trabalhava com um cão no consultório. Aqui o cão não entra nos lugares.
Você teve o número de pessoas que não compreenderam bem o seu trabalho, no entanto Você teve grandes aliados.
Tive excelentes aliados. Tive Mário Pedrosa que foi um grande aliado e incentivador. Tive pessoas da imprensa. A imprensa me ajudou muito. No entanto, poucos médicos foram meus aliados.
Tive excelentes aliados. Tive Mário Pedrosa que foi um grande aliado e incentivador. Tive pessoas da imprensa. A imprensa me ajudou muito. No entanto, poucos médicos foram meus aliados.
O Carlos Drummond de Andrade era também um grande admirador seu.
Ele escreveu uma crônica muito interessante quando me aposentei, e quando foi fundada uma sociedade de amigos do Museu do Inconsciente. Foi preciso fundar uma sociedade, para que o Hospital não o destruísse.
Ele escreveu uma crônica muito interessante quando me aposentei, e quando foi fundada uma sociedade de amigos do Museu do Inconsciente. Foi preciso fundar uma sociedade, para que o Hospital não o destruísse.
O Ferreira Gullar também…
O Ferreira Gullar foi um grande aliado, que era muito amigo de Mário Pedrosa. Ele quer escrever um livro sobre Emídio, que ele considera o maior pintor brasileiro. Tive muitos aliados. Domitília Amaral, considerada a maior intérprete de Garcia Lorca no mundo.
Vamos brincar um pouco?
Vamos! Eu adoro brincar.
Vamos! Eu adoro brincar.
Uma cor…
Minha cor predileta é o azul. E para surpresa minha, uma cor de que eu não gostava e passei a gostar, não sei se por causa de Artaud, Van Gog, Carlos Pertius, é o amarelo. O sol.
Minha cor predileta é o azul. E para surpresa minha, uma cor de que eu não gostava e passei a gostar, não sei se por causa de Artaud, Van Gog, Carlos Pertius, é o amarelo. O sol.
Um livro…
É difícil. São tantos. Gosto principalmente dos livros de Machado de Assis.
É difícil. São tantos. Gosto principalmente dos livros de Machado de Assis.
E a Bíblia?
Gosto muito. Admiro bastante. E gosto muito de ver as aproximações e contrastes entre o Velho e o Novo Testamento. Uma imagem que me impressiona muito neste contraste é a atitude do Antigo Testamento em relação à mulher. Fazia parte da Lei mosaica, Moisés foi o legislador. A mulher adúltera era apedrejada até morrer. No Novo Testamento, você encontra uma cena que eu acho belacíssima. Jesus chega, está andando na rua, atravessando uma praça e está lá uma mulher amarrada para ser apedrejada. Então alguém explica: essa mulher vai ser apedrejada porque foi apanhada em adultério, e a lei ordena que ela seja apedrejada. Jesus olhou para os apedrejadores que estavam ali e perguntou: “Quem de vós está isento de culpa?” Então eles foram saindo de cabeça baixa.
Gosto muito. Admiro bastante. E gosto muito de ver as aproximações e contrastes entre o Velho e o Novo Testamento. Uma imagem que me impressiona muito neste contraste é a atitude do Antigo Testamento em relação à mulher. Fazia parte da Lei mosaica, Moisés foi o legislador. A mulher adúltera era apedrejada até morrer. No Novo Testamento, você encontra uma cena que eu acho belacíssima. Jesus chega, está andando na rua, atravessando uma praça e está lá uma mulher amarrada para ser apedrejada. Então alguém explica: essa mulher vai ser apedrejada porque foi apanhada em adultério, e a lei ordena que ela seja apedrejada. Jesus olhou para os apedrejadores que estavam ali e perguntou: “Quem de vós está isento de culpa?” Então eles foram saindo de cabeça baixa.
Um mito…
Dionísius.
Dionísius.
Uma flor…
A flor de sinete de Spinoza, na qual encontra-se escrito em latim: “Cuidado que eu tenho espinhos”.
A flor de sinete de Spinoza, na qual encontra-se escrito em latim: “Cuidado que eu tenho espinhos”.
Uma lembrança…
São tantas. Talvez a minha mãe sentada ao piano lá de casa, esperando que chegasse o sabiá; é um pássaro curioso. Hoje ele não subsistiria. As pessoas por muito menos matam os pássaros. O sabiá é boêmio. Não vai para o ninho cedo, e canta de noite. Minha mãe com as mãos no plano esperando que o sabiá chegasse para aprender a melodia do seu canto. Depois ela achou que estava tão próxima realmente do canto do sabiá que resolveu acompanhá-lo.
São tantas. Talvez a minha mãe sentada ao piano lá de casa, esperando que chegasse o sabiá; é um pássaro curioso. Hoje ele não subsistiria. As pessoas por muito menos matam os pássaros. O sabiá é boêmio. Não vai para o ninho cedo, e canta de noite. Minha mãe com as mãos no plano esperando que o sabiá chegasse para aprender a melodia do seu canto. Depois ela achou que estava tão próxima realmente do canto do sabiá que resolveu acompanhá-lo.
Uma tristeza…
A morte do meu pai. Uma perda imensa. Era muito ligada a ele. Embora eu admirasse minha mãe por esse lado de artista dela, era com meu pai que tinha uma ligação mais estreita. Um édipo caprichado.
A morte do meu pai. Uma perda imensa. Era muito ligada a ele. Embora eu admirasse minha mãe por esse lado de artista dela, era com meu pai que tinha uma ligação mais estreita. Um édipo caprichado.
Uma emoção…
São tantas. Ver por exemplo, um esquizofrênico que não se relacionava com pessoa alguma, vê-lo abraçado com um cão, mostrando que a afetividade está viva no esquizofrênico, enquanto os livros dizem que a afetividade está embotada. Uma destas fotografias, está no meu livro o “Mundo das Imagens”.
São tantas. Ver por exemplo, um esquizofrênico que não se relacionava com pessoa alguma, vê-lo abraçado com um cão, mostrando que a afetividade está viva no esquizofrênico, enquanto os livros dizem que a afetividade está embotada. Uma destas fotografias, está no meu livro o “Mundo das Imagens”.
Uma saudade…
Da minha casa em Maceió. Até me lembro dos versos de um poeta que diz assim: “minha mãe, é em ti que eu penso, oh! casa”. Esse é um dos motivos porque eu me recuso a ir a Maceió, prá não ver essa casa.
Da minha casa em Maceió. Até me lembro dos versos de um poeta que diz assim: “minha mãe, é em ti que eu penso, oh! casa”. Esse é um dos motivos porque eu me recuso a ir a Maceió, prá não ver essa casa.
E se tivesse que voltar?
Voltava certa de que ia ter uma emoção muito forte.
Voltava certa de que ia ter uma emoção muito forte.
É um tempo mítico?
Acho que sim. Acho que Maceió prá mim é um mito. Uma cidade mítica que estragaram completamente querendo imitar Copacabana. Eu adoro Maceió. Tenho medo de ir a Maceió.
Acho que sim. Acho que Maceió prá mim é um mito. Uma cidade mítica que estragaram completamente querendo imitar Copacabana. Eu adoro Maceió. Tenho medo de ir a Maceió.
Quais são os teus medos?
Não saber morrer como um gato, embora a morte propriamente não me faça medo. É não saber como morrer como os gastos sabem. É isso que peço que eles me ensinem. Um gato, quando não quer saber de uma pessoa, levanta a cauda e sai. Não parece que esteja com emoção de raiva como eu fico às vezes. Desprezo. Sutileza completa. Eles são grandes mestres.
Não saber morrer como um gato, embora a morte propriamente não me faça medo. É não saber como morrer como os gastos sabem. É isso que peço que eles me ensinem. Um gato, quando não quer saber de uma pessoa, levanta a cauda e sai. Não parece que esteja com emoção de raiva como eu fico às vezes. Desprezo. Sutileza completa. Eles são grandes mestres.
Uma personalidade…
Todo mundo é uma personalidade. Dessas que um pouco que Você encontra a personalidade. As pessoas geralmente vivem recobertas pela Persona, que é a máscara do ator. As pessoas vivem representando com as roupas do ator.
Todo mundo é uma personalidade. Dessas que um pouco que Você encontra a personalidade. As pessoas geralmente vivem recobertas pela Persona, que é a máscara do ator. As pessoas vivem representando com as roupas do ator.
Uma música…
Resumindo eu diria: “As quatro estações” ou então, o canto do sabiá.
Resumindo eu diria: “As quatro estações” ou então, o canto do sabiá.
Prá encerrar o que Você gostaria de dizer.
Gostaria de dizer que o mal que está solto no mundo atualmente, dentro da complexidade da psique, recuasse um pouco, diante dos seus opostos.
Gostaria de dizer que o mal que está solto no mundo atualmente, dentro da complexidade da psique, recuasse um pouco, diante dos seus opostos.
Esse mal está em todos nós.
Em todos nós e nunca será destruído.
Em todos nós e nunca será destruído.
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Fonte: Originalmente publicado em: LEAL, Luiz Gonzaga Pereira. Entrevista com Nise da Silveira. in: Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 14, nº 1-3, 1994.
Saiba mais sobre Nise da Silveira
Nise da Silveira – uma psiquiatra rebelde
Fonte: Originalmente publicado em: LEAL, Luiz Gonzaga Pereira. Entrevista com Nise da Silveira. in: Psicologia: Ciência e Profissão, Brasília, v. 14, nº 1-3, 1994.
Saiba mais sobre Nise da Silveira
Nise da Silveira – uma psiquiatra rebelde
Oi menina, como sempre, ótimos textos, ótimas dicas para uma auto reciclagem nas ideias. Saudades de você!
ResponderExcluirNossa! Nem disse que é o Ro. Beijo carinhoso em você.
ResponderExcluir