TRAVESSEIRO SUSPENSO POR FIOS DE NYLON

domingo, 20 de outubro de 2013

Vinicius de Moraes Em Poesia - 100 Anos

Para as mulheres que tanto amou, Vinicius de Moraes escreveu os seus mais belos poemas. Mas o seu poema de amor mais importante foi dedicado a todos nós, brasileiros.




Pátria minha


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.



Se me perguntarem o que é a minha pátria, direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.



Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias, pátria minha
Tão pobrinha!



Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!



Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...



Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!



Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.



Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.



Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamen
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!



Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade me vem de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.



Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha
Brasil, talvez.



Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama…"



Vinicius de Moraes
(1913-1980)



Mais sobre Vinicius de Moraes em


De tudo, ao meu amor serei atento 
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto 
Que mesmo em face do maior encanto 
Dele se encante mais meu pensamento. 
  
Quero vivê-lo em cada vão momento 
E em seu louvor hei de espalhar meu canto 
E rir meu riso e derramar meu pranto 
Ao seu pesar ou seu contentamento. 
 
E assim, quando mais tarde me procure 
Quem sabe a morte, angústia de quem vive 
Quem sabe a solidão, fim de quem ama 
 
Eu possa (me) dizer do amor (que tive): 
Que não seja imortal, posto que é chama 
Mas que seja infinito enquanto dure.

[Vinícius de Moraes]















































Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passados eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.


Vinícius sente que a mulher que há de vir é a anunciada da sua poesia. E que ela será dele, só dele, como a força é do forte e a poesia é do poeta.



A que há de vir


Aquela que dormirá comigo todas as luas
É a desejada de minha alma.
Ela me dará o amor do seu coração
E me dará o amor da sua carne.

Ela abandonará pai, mãe, filho, esposo
E virá a mim com os peitos e virá a mim com os lábios
Ela é a querida da minha alma
Que me fará longos carinhos nos olhos
Que me beijará longos beijos nos ouvidos
Que rirá no meu pranto e rirá no meu riso.
Ela só verá minhas alegrias e minhas tristezas
Temerá minha cólera e se aninhará no meu sossego
Ela abandonará filho e esposo
Abandonará o mundo e o prazer do mundo
Abandonará Deus e a Igreja de Deus
E virá a mim me olhando de olhos claros
Se oferecendo à minha posse
Rasgando o véu da nudez sem falso pudor
Cheia de uma pureza luminosa.
Ela é a amada sempre nova do meu coração
Ela ficará me olhando calada
Que ela só crerá em mim
Far-me-á a razão suprema das coisas.
Ela é a amada da minha alma triste
É a que dará o peito casto
Onde os meus lábios pousados viverão a vida do seu coração
Ela é a minha poesia e a minha mocidade
É a mulher que se guardou para o amado de sua alma
Que ela sentia vir porque ia ser dela e ela dele.
Ela é o amor vivendo de si mesmo.
É a que dormirá comigo todas as luas
E a quem eu protegerei contra os males do mundo.
Ela é a anunciada da minha poesia
Que eu sinto vindo a mim com os lábios e com os peitos
E que será minha, só minha, como a força é do forte e a poesia é do poeta.




Vinicius de Moraes escreveu um poema sobre os olhos da amada. Para a amada daquele momento.



Poema dos olhos da amada

Ó minha amada
Que os olhos teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe nos breus ...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus...
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas eras
Nos olhos teus,
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.


Em meio a seios, ventre, pernas, flores, rios e desertos, Vinicius sente-se nu e só. A ouvir o Homem que chora a vida e a morte no momento breve.



Soneto do breve momento


Plumas de ninhos em teus seios; urnas
De rubras flores em teu ventre; flores 
Por todo corpo teu, terso das dores 
De primaveras loucas e noturnas. 



Pântanos vegetais em tuas pernas 
A fremir de serpentes e de sáurios 
Itinerantes pelos multivários 
Rios de águas estáticas e eternas. 



Feras bramindo nas estepes frias 
De tuas brancas nádegas vazias 
Como um deserto transmudado em neve. 



E em meio a essa inumana fauna e flora 
Eu, nu e só, a ouvir o Homem que chora 
A vida e a morte no momento breve.


Para todos as mulheres, de Vinicius de Moraes.



Poema para todas as mulheres 


No teu branco seio eu choro. 
Minhas lágrimas descem pelo teu ventre 
E se embebedam do perfume do teu sexo. 
Mulher, que máquina és, que só me tens desesperado 
Confuso, criança para te conter! 
Oh, não feches os teus braços sobre a minha tristeza não! 
Ah, não abandones a tua boca à minha inocência, não! 
Homem sou belo 
Macho sou forte, poeta sou altíssimo 
E só a pureza me ama e ela é em mim uma cidade e tem mil e uma portas. 
Ai! Teus cabelos recendem à flor da murta 
Melhor seria morrer ou ver-te morta 
E nunca, nunca poder te tocar! 
Mas, fauno, sinto o vento do mar roçar-me os braços 
Anjo, sinto o calor do vento nas espumas 
Passarinho, sinto o ninho nos teus pêlos... 
Correi, correi, ó lágrimas saudosas 
Afogai-me, tirai-me deste tempo 
Levai-me para o campo das estrelas 
Entregai-me depressa à lua cheia 
Dai-me o poder vagaroso do soneto, dai-me a iluminação das odes, dai-me o cântico dos cânticos 
Que eu não posso mais, ai! 
Que esta mulher me devora! 
Que eu quero fugir, quero a minha mãezinha quero o colo de Nossa Senhora!


Sejamos graves e prodigiosos, ó minha amada, e sejamos também irmãos e amigos. Poema de Ano-Novo, por Vinicius de Moraes.



Poema de Ano-Novo


É preciso que nos encontremos diante do amor como as árvores fêmeas

cuja raiz é a mesma e se perde na terra profana
É preciso...a tristeza está no fundo de todos os sentimentos
como a lágrima no fundo de todos os olhos
Sejamos graves e prodigiosos, ó minha amada, e sejamos também irmãos e amigos.

É preciso que levemos diante de nós o retrato das nossas almas
como se fôssemos a um tempo a Verônica e o Crucificado
Eu sou o eterno homem e hoje que a dor fecunda o tempo
eu sinto mais que nunca a vontade de fechar os braços sobre a minha miséria.
Fiquemos como duas crianças pensativas sentadas numa escada
- todos serão os peregrinos e apenas nós os contemplados.


Tendo tudo para ser feliz, Vinicius de Moraes acontece de ser um triste. Dá para entender o momento do poeta?



Dialética


É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...


Com as lágrimas do tempo e o cal do seu dia. Foi assim que Vinicius de Moraes fez o cimento de sua poesia.



Poética (II)


Com as lágrimas do tempo
E o cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.



E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.



Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo
(Um templo sem Deus.)



Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
- Entrai, irmãos meus!


Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados,
Para chorar e fazer chorar,
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses,
Mãos para colher o que foi dado,
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida;
Uma tarde sempre a esquecer,
Uma estrela a se apagar na treva,
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar,
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço,
Um verso, talvez, de amor,
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E que por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre,
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte -
De repente, nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte apenas
Nascemos, imensamente.


Resta tanta coisa para Vinicius de Moraes. Até a terrível coragem diante do grande medo e esse medo infantil de ter pequenas coragens.



O haver


Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
-  Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...



Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe



Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.



Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
De matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, de uma só morte, um só Vinicius.



Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.



Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.



Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.



Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram nem ontem nem hoje.



Resta essa vontade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante



E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.



Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.



Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada,
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...



Resta este constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Este eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.


Vinicius de Moraes nunca foi um mergulhador, muito pelo contrário. Mas como mergulhava profundamente no corpo e na alma de uma mulher.




O mergulhador



Como, dentro do mar, libérrimos, os polvos 
No líquido luar tateiam a coisa a vir 
Assim, dentro do ar, meus lentos dedos loucos 
Passeiam no teu corpo a te buscar-te a ti. 



És a princípio doce plasma submarino 
Flutuando ao sabor de súbitas correntes 
Frias e quentes, substância estranha e íntima 
De teor irreal e tato transparente. 



Depois teu seio é a infância, duna mansa 
Cheia de alísios, marco espectral do istmo 
Onde, a nudez vestida só de lua branca 
Eu ia mergulhar minha face já triste. 



Nele soterro a mão como a cravei criança 
Noutro seio de que me lembro, também pleno... 
Mas não sei... o ímpeto deste é doído e espanta 
O outro me dava vida, este me mete medo. 



Toco uma a uma as doces glândulas em feixes 
Com a sensação que tinha ao mergulhar os dedos 
Na massa cintilante e convulsa de peixes 
Retiradas ao mar nas grandes redes pensas. 



E ponho-me a cismar… - mulher, como te expandes! 
Que imensa és tu! maior que o mar, maior que a infância! 
De coordenadas tais e horizontes tão grandes 
Que assim imersa em amor és uma Atlântida! 



Vem-me a vontade de matar em ti toda a poesia 
Tenho-te em garra; olhas-me apenas; e ouço 
No tato acelerar-se-me o sangue, na arritmia 
Que faz meu corpo vil querer teu corpo moço. 



E te amo, e te amo, e te amo, e te amo 
Como o bicho feroz ama, a morder, a fêmea 
Como o mar ao penhasco onde se atira insano 
E onde a bramir se aplaca e a que retorna sempre. 



Tenho-te e dou-me a ti válido e indissolúvel 
Buscando a cada vez, entre tudo o que enerva 
O imo do teu ser, o vórtice absoluto 
Onde possa colher a grande flor da treva. 



Amo-te os longos pés, ainda infantis e lentos 
Na tua criação; amo-te as hastes tenras 
Que sobem em suaves espirais adolescentes 
E infinitas, de toque exato e frêmito. 



Amo-te os braços juvenis que abraçam 
Confiantes meu criminoso desvario 
E as desveladas mãos, as mãos multiplicantes 
Que em cardume acompanham o meu nadar sombrio. 



Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar 
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar 
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue 
E me afogar de amor e chorar e chorar. 



Amo-te os grandes olhos sobre-humanos 
Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem 
Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos 
Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem. 



Por isso - isso e ainda mais que a poesia não ousa 
Quando depois de muito mar, de muito amor 
Emergindo de ti, ah, que silêncio pousa 
Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!




Subamos, subamos além, acima do além, subamos. E nós nos possuiremos e morreremos, alto, imensamente, imensamente alto, no convite de Vinicius de Moraes...



Os acrobatas

Subamos!
Subamos acima 
Subamos além, subamos 
Acima do além, subamos! 
Com a posse física dos braços 
Inelutavelmente galgaremos 
O grande mar de estrelas 
Através de milênios de luz. 

Subamos! 
Como dois atletas 
O rosto petrificado 
No pálido sorriso do esforço 
Subamos acima 
Com a posse física dos braços 
E os músculos desmesurados 
Na calma convulsa da ascensão. 

Oh, acima 
Mais longe que tudo 
Além, mais longe que acima do além! 
Como dois acrobatas 
Subamos, lentíssimos 
Lá onde o infinito 
De tão infinito 
Nem mais nome tem 
Subamos! 

Tensos 
Pela corda luminosa 
Que pende invisível 
E cujos nós são astros 
Queimando nas mãos 
Subamos à tona 
Do grande mar de estrelas 
Onde dorme a noite 
Subamos! 

Tu e eu, herméticos 
As nádegas duras 
A carótida nodosa 
Na fibra do pescoço 
Os pés agudos em ponta. 

Como no espasmo. 

E quando 
Lá, acima 
Além, mais longe que acima do além 
Adiante do véu de Betelgeuse 
Depois do país de Altair 
Sobre o cérebro de Deus 

Num último impulso 
Libertados do espírito 
Despojados da carne 
Nós nos possuiremos. 

E morreremos 
Morreremos alto, imensamente 
IMENSAMENTE ALTO.

Vinicius de Moraes
(1913-1980)

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