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segunda-feira, 24 de junho de 2013

BRASIL: as massas na rua

PARA REFLETIR:  (Hannah Arendt, "Origens do totalitarismo")

Parece-me oportuno, mais do que nunca, reler Hannah Arendt:


"As massas não se unem pela consciência de um interesse comum e falta-lhes aquela específica articulação de classes que se expressa em objetivos determinados, limitados e atingíveis.

O termo massa só se aplica quando lidamos com pessoas que, simplesmente devido ao seu número, ou à sua indiferença, ou a uma mistura de ambos, não se podem integrar numa organização baseada no interesse comum, seja partido político, organização profissional ou sindicato de trabalhadores.

Em sua ascensão, tanto o movimento nazista da Alemanha quanto os movimentos comunistas da Europa depois de 1930 recrutaram os seus membros dentre essa massa de pessoas [até então] aparentemente indiferentes, que todos os outros partidos haviam abandonado por lhes parecer demasiado apáticas ou estúpidas para lhes merecer atenção.

A maioria de seus membros, portanto, consistia em elementos que nunca antes haviam participado da política. Isto permitiu a introdução de métodos inteiramente novos de propaganda política. Os movimentos, até então colocados fora do sistema de partidos e rejeitados por ele, puderam moldar um grupo que nunca havia sido atingido por nenhum dos partidos tradicionais.

Assim, sem necessidade e capacidade de refutar argumentos contrários, preferiram métodos que levavam à morte em vez da persuasão, que traziam terror em lugar de convicção."




Escrito por Hannah Arendt (1906-75) no pós-guerra e publicado originalmente em 1951,"Origens do Totalitarismo" é uma análise sobre características do autoritarismo e uma ferramenta para interpretar elementos e sinais de opressão que resistem mesmo em sociedades democráticas e liberais.
Nascida na Alemanha e de origem judaica, Arendt estudou na Universidade de Berlim e foi aluna de Heidegger e Jaspers. Em 1941, refugiou-se nos Estados Unidos. Entre outros livros, ela também assina "Homens em Tempos Sombrios" e "Eichmann em Jerusalém".
Abaixo, leia trecho de "Origens do Totalitarismo".
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1. O ANTISSEMITISMO COMO UMA OFENSA AO BOM SENSO

Divulgação
Debate dois regimes totalitários da nossa era: a Alemanha nazista e a Rússia stalinista
Debate dois regimes: Alemanha nazista e Rússia stalinista
Muitos ainda julgam que a ideologia nazista girou em torno do antissemitismo por acaso, e que desse acaso nasceu a política que inflexivelmente visou perseguir e, finalmente, exterminar os judeus. O horror do mundo diante do resultado derradeiro, e, mais ainda, diante do seu efeito, constituído pelos sobreviventes sem lar e sem raízes, deu à "questão judaica" a proeminência que ela passou a ocupar na vida política diária. O que os nazistas apresentaram como sua principal descoberta - o papel dos judeus na política mundial - e o que propagavam como principal alvo - a perseguição dos judeus no mundo inteiro - foi considerado pela opinião pública mero pretexto, interessante truque demagógico para conquistar as massas.

É bem compreensível que não se tenha levado a sério o que os próprios nazistas diziam. Provavelmente não existe aspecto da história contemporânea mais irritante e mais mistificador do que o fato de, entre tantas questões políticas vitais, ter cabido ao problema judaico, aparentemente insignificante e sem importância, a duvidosa honra de pôr em movimento toda uma máquina infernal. Tais discrepâncias entre a causa e o efeito constituem ultraje ao bom senso a tal ponto que as tentativas de explanar o antissemitismo parecem forjadas com o fito de salvar o equilíbrio mental dos que mantêm o senso de proporção e a esperança de conservar o juízo.

Uma dessas apressadas explicações identifica o antissemitismo com desenfreado nacionalismo e suas explosões de xenofobia. Mas, na verdade, o antissemitismo moderno crescia enquanto declinava o nacionalismo tradicional, tendo atingido seu clímax no momento em que o sistema europeu de Estados-nações, com seu precário equilíbrio de poder, entrara em colapso.

Os nazistas não eram meros nacionalistas. Sua propaganda nacionalista era dirigida aos simpatizantes e não aos membros convictos do partido. Ao contrário, este jamais se permitiu perder de vista o alvo político supranacional. O "nacionalismo" nazista assemelhava-se à propaganda nacionalista da União Soviética, que também é usada apenas como repasto aos preconceitos das massas. Os nazistas sentiam genuíno desprezo, jamais abolido, pela estreiteza do nacionalismo e pelo provincianismo do Estado-nação. Repetiram muitas vezes que seu movimento, de âmbito internacional (como, aliás, é o movimento bolchevista), era mais importante para eles do que o Estado, o qual necessariamente estaria limitado a um território específico. E não só o período nazista mas os cinquenta anos anteriores da história antissemita dão prova contrária à identificação do antissemitismo com o nacionalismo. Os primeiros partidos antissemitas das últimas décadas do século XIX foram os primeiros a coligar-se em nível internacional. Desde o início, convocavam congressos internacionais, e preocupavam-se com a coordenação de atividades em escala internacional ou, pelo menos, intereuropeia.

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