MIA COUTO E O TABU DA LATINIDADE BRASILEIRA
por Jeferson Batista em 07 de fev de 2012 às 18:44
Recentemente li o livro O Outro Pé da Sereia do escritor moçambicano Mia Couto.
O outro Pé da sereia traça duas histórias uma delas a história de Dom Gonçalo da Silveira, jesuíta português, que se destina à corte Monomotapa, levando consigo uma imagem de Nossa Senhora.
A outra história fala de Mwadia que, como Dom Gonçalo leva uma imagem de Nossa Senhora, saindo de seu vilarejo, chamado Antigamente até sua cidade natal, Vila Longe.
Cada personagem, tanto da nau de Dom Gonçalo quanto da cidade de Vila Longe é riquíssima e Mia nos causa grande deleite em ler essa história. Sofrida, é verdade, mas encantadora nos traços e nas palavras que o autor revela à cada página.
Enfim, Mia consegue retratar a relação “português caucasiano X negro africano” e a singularidade de cada fé, seja chamando Nossa Senhora de Virgem de Nazaré, seja chamando-a de Kianda, a deusa das águas.
No entanto não é sobre isso que gostaria de falar, hoje. Gostaria de falar de Vila Longe, cidade natal de Mwadia, que paulatinamente vai se tornando querida aos nossos olhos. Mwadia chega em Vila Longe e encontra uma cidade destruída e agarrada a um único fio de esperança, a chegada de negros estadosunidenses em busca de suas raízes. A partir daí a cidade forja uma memória da escravidão, que prima dizer aquilo que o afro americano deseja ouvir. O intuito é deixá-lo satisfeito. Sabem como é... agradar o cliente.
É nisso que fiquei pensando muito tempo:
Qual a necessidade de descobrirmos as raízes de nosso povo?
Creio ser de vital importância, no entanto estaríamos preparados a ter toda a construção da história de nossos antepassados destruída (ou não).
No caso de O Outro Pé da Sereia, Mia conta a história de Vila Longe, uma vila com habitantes negros que vendiam homens tão negros quanto eles para estes serem escravos em terras além mar. Ou ainda escravizavam os semelhantes ali mesmo em suas tribos.
A busca pelas suas raízes é muito presente entre negros. O que deveria ser feito por todas outras etnias. Não só a busca pelas raízes como também a preservação de sua cultura, coisa que o negro também faz muito bem, o que facilita muito o encontro com sua gênese. No entanto ao investigar suas raízes o negro corre o risco de descobrir que teve uma raiz opressora de seu semelhante. Claro que isso não tira o status de oprimido que o negro infelizmente vive nos dias de hoje, seja no preconceito comedido que o brasileiro ainda tem, seja no padrão de beleza que a mídia nos impõe (com seus cabelos lisos e ancas finas), seja na “periferiarização” do cidadão negro. O negro é oprimido, foi oprimido ao chegar aqui, foi oprimido na África em diversos momentos, no entanto, ainda na África ele também foi opressor, em muitos casos.
Fico imaginando o quão diferente o Brasil seria se conseguíssemos preservar nossa cultura como o negro consegue. Falo em Brasil porque apesar de sermos um país localizado na America Latina não consigo enxergar a latinidade existente em todos os outros países latinos aqui no Brasil. Indo além, não consigo enxergar interesse dos brasileiros em se igualar com seus hermanos latinos. Existe ainda, é triste dizer, um sentimento de superioridade em relação aos nossos vizinhos.
Não consigo, hoje, enxergar uma identidade latina no Brasil. O apego à terra, às suas tradições, a sua gente, aos seus antepassados, à sua pátria. Isso é tão bonito de se ver em países como Peru, Bolívia, Venezuela, Chile...
Existem sim grandes grupos que buscam por essa cultura latina, no entanto não é essa a realidade da grande massa que anseia um país economicamente bem sucedido e para isso se molda em nações falidas ditas de primeiro mundo.
O Brasil de hoje é diferente do Brasil de 20 anos atrás, bem como os Estados Unidos e bem como a América Latina. Hoje temos voz . No entanto corremos na direção de nosso desejo de se tornar país de primeiro mundo. Ora, os países de primeiro mundo estão vindo bater na nossa porta, então, por que ainda temos esse desejo doidivanas de ser igual a um país que não deu certo?
Não deu certo! Esse modo de “evolução” não funcionou. Esse é o momento de crescermos, claro, mas crescer do nosso jeito e uma das coisas primordiais é nos voltarmos pra nossa latinidade que tantos escondem com tanta vergonha. Somos latinos sim, somos vermelhos sim, nossa cultura hoje é uma grande mistura de tantas outras, negra,caucasiana, andina, e sim, brasileira.
Então proponho que paremos de tentar copiar o modo de vista dos outros. Proponho ainda que preocupemo-nos com a preservação dessa cultura tão rica e tão cheia de detalhes. Que aceitemos nossa condição de oprimidos e de opressores também.
“A viagem termina quando encerramos as nossas fronteiras interiores, regressamos a nós mesmos, não a um lugar” Mia Couto em O outro pé da Sereia.
Somos latinos!
Bem, O outro pé da sereia traz a tona outras tantas reflexões. Um livro delicioso de se ler e envolvente nos detalhes de cada personagem.
A forma que Mia escreve, faz com que o livro dance entre a prosa e a poesia de modo que o leitor não saberá mais ao certo o que estará lendo, apenas sentirá e refletirá... o que é uma delicia!
“Um livro é uma canoa. Este era o barco que lhe faltava em Antigamente. Tivesse livros e ela faria a travessia para o outro lado do mundo, para o outro lado de si mesma.” Mia Couto em O outro pé da Sereia.
Leia-o, ele merece.
Agora...Traz mais uma!
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/traz_mais_uma/2012/02/mia-couto-e-o-tabu-da-latinidade-brasileira.html#ixzz1lkpC3u4X
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