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quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Açúcar e Afeto


AÇÚCAR, AFETO E DIABETES

por Gabriel da Cruz em 08 de fev de 2012 às 01:20

Será que estamos prontos para escutar a falta de erudição? Será que estamos dispostos a aceitar que o som assuma aquilo que tememos? Em tempos de medos absurdos, a simplicidade é a que mais nos rodeia, rindo com energia e sarcasmo!
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Não é de hoje que os tupãs populares da música brasileira tratam da sensibilidade ao outro em suas cantorias. Desde os antigos sambas cariocas, o discurso do “nós”, atrelado às classes mais baixas (samba de morro), é constante nas canções. A descoberta de uma tal Cultura Nacional e a sedimentação da influência estrangeira ao longo do tempo promoveram mudanças: os ritmos variaram, instrumentos foram importados, ideologias foram incorporadas, mas, ao que me parece, uma categoria insiste em permanecer. Sim, é a primeira pessoa do plural que ainda sobrevive! É um caráter que toma cada vez mais espaço nas timelines, ainda mais com as mídias sociais distribuindo com uma velocidade alucinante tudo o que diz respeito a açúcares e afetos. Outro fenômeno interessante também pode ser visto graças às queridas mídias: a alergia nervosa que a sacarose pode causar em alguns organismos.
O movimento que acontece na atual música brasileira não é novo, mas é novidade. Fazendo novamente uma pequena digressão, desde meados da década de 30, com a fundação da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, a música popular passou a ser expressão quase máxima da vida social do brasileiro: o machismo dos sambas de morro, o mauricismo engajado da bossa nova, a rebeldia motorizada da jovem guarda, a psicodelia mutante, a alienação discotecada, o explicitado funk implícito. Tudo isso colocando os olhos na rua e os pés no estúdio. Se a estética da produção musical de uma época é retrato de seu próprio tempo, a estética da segunda década do século XXI poderá ser chamada de diabetes?
A reconfiguração desse velho caráter pode ser ouvido nos discos ou no Grooveshark de cantoras como Luisa Maita, Roberta Sá, Cibelle, Tulipa Ruiz e Céu. No entanto, Marcelo Jeneci, Vanessa da Mata e Marcelo Camelo são os expoentes mais emblemáticos (e conhecidos) que a popular música brasileira tem para mostrar seus afetos. O primeiro, com seu discurso assumidamente romântico, declara que “Largo tudo/Se a gente se casar domingo” e que “Dar-te-ei a mim mesmo agora/E serei mais que alguém que vai correndo pro fim”. Já Vanessa da Mata, com composições que vão do divertimento maroto ao bucolismo urbano, pede: “Case-se comigo/Antes que amanheça” e “Não me deixe só/Eu tenho medo do escuro/Tenho medo do inseguro/Dos fantasmas da minha voz”; assume: “Entre tantas paixões/Esse encontro/Nós dois” e “Agora mais que nunca somos o tal casal/Apaixonado, apaixonado”. Do lado mais experimental do trio está Marcelo Camelo, que também contribui para o discurso do romance afetuoso: “E o amor é lindo deixo/Tudo que quiser eu não me queixo em ser” e “Tudo o que você quiser/Tempo de recomeçar/Coração no seu lugar/Na cidade que não volta”.

É fato que essas e tantas outras novas canções populares do Brasil sofreram um processo de simplificação técnica e composicional. São assumidamente simples, sem a preocupação de fazer canções intelectualizadas e com grande valor ideológico. Tentam encontrar, em um discurso conciso, a grandiosidade de sentido. Essa é uma das críticas mais comuns a esse caráter musical, confundir simplicidade com vazio. O que está por trás dessa nova estética musical é a tentativa de sobrevivência de um sujeito cultural que ficou por tanto tempo relegado à violência auditiva, visual, ideológica de gerações e gerações. Grande parte desses “novos expoentes da MPB” não vêm de “estados centrais” (RJ/SP), o que abre ainda mais a perspectiva de uma visão plural e sem vícios. É o caso do conjunto curitibano A Banda Mais Bonita da Cidade, que teve seu clipe, Oração, visto por mais de sete milhões de pessoas no youtube. Quando lançado, em maio do ano passado, provocou sensações de amor e ódio nas redes sociais. Quem gostou, adorou (e retuitou). Quem não gostou, repudiou. Houve até casos de crise de diabetes. Ora, o discurso retratado ali é de um “nós” como em qualquer música popular! Mas a ousadia de ser abertamente romântico e estabelecer relações de afeto com o outro-além-eu é visto como petulância e exagero pela nossa herança culturalmente cartesiana. O que esperamos que mude, até que a próxima estação nos jogue a outro litoral!
gabrielcruz  
Artigo da autoria de Gabriel da Cruz.
Pois a delícia de sentir o cheiro de tinta fresca é a delícia de ouvir o barulho de uma parede caindo..
Saiba como fazer parte da obvious.
Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/em_reforma/2012/02/acucar-afeto-e-diabetes.html#ixzz1lkmXmgWS

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