TRAVESSEIRO SUSPENSO POR FIOS DE NYLON

domingo, 22 de janeiro de 2012

PARADOXOS - Eduardo Galeano


Paradoxos
Se a contradição for o pulmão da história, o paradoxo deverá ser,penso eu, o espelho que a história usa para debochar de nós.

Nem o próprio filho de Deus salvou-se do paradoxo: Ele escolheu, para nascer, um deserto subtropical onde jamais nevou, mas a neve se converteu num símbolo universal do Natal desde que a Europa decidiu europeizar Jesus.

E para mais inri, o nascimento de Jesus é, hoje em dia, o negócio que mais dinheiro dá aos mercadores que Jesus tinha expulsado do templo.

Napoleão Bonaparte, o mais francês dos franceses, não era francês.

Não era russo Josef Stálin, o mais russo dos russos; e o mais alemão dos alemães, Adolf Hitler, tinha nascido na Áustria. Margherita Sarfatti, a mulher mais amada pelo antisemita Mussolini, era judia.

José Carlos Mariátegui, o mais marxista dos marxistas latino-americanos, acreditava fervorosamente em Deus.

O Che Guevara tinha sido declarado completamente incapaz para a vida militar pelo exército argentino.

Das mãos de um escultor chamado Aleijadinho, que era o mais feio dos brasileiros, nasceram as mais altas formosuras do Brasil.

Os negros norte-americanos, os mais oprimidos, criaram o jazz, que é a mais livre das músicas.

No fundo de um cárcere foi concebido o Dom Quixote, o mais andante dos cavaleiros. E cúmulo dos paradoxos, Dom Quixote nunca disse sua frase mais célebre. Nunca disse: Ladram, Sancho, sinal que cavalgamos.

"Acho que você está meio nervosa", diz o histérico. "Te odeio", diz a apaixonada.

"Não haverá desvalorização", diz, na véspera da desvalorização, o ministro da Economia.

"Os militares respeitam a Constituição", diz, na véspera do golpe de Estado, o ministro da Defesa.

Em sua guerra contra a revolução sandinista, o governo dos Estados Unidos coincidia, paradoxalmente, com o Partido Comunista da Nicarágua.

E paradoxais foram, enfim, as barricadas sandinistas durante a ditadura de Somoza: as barricadas, que fechavam as ruas, abriam o caminho.

A televisão/2
A televisão mostra o que acontece? Em nossos países, a televisão mostra o que ela quer que aconteça; e nada acontece se a televisão não mostrar.A televisão, essa última luz que te salva da solidão e da noite, é a realidade. Porque a vida é um espetáculo: para os que se comportam bem, o sistema promete uma boa poltrona.

A televisão/3 
A tevê dispara imagens que reproduzem o sistema e as vozes que lhe fazem eco; e não há canto do mundo que ela não alcance. O planeta inteiro é um vasto subúrbio de Dallas. 

Nós comemos emoções importadas como se fossem salsichas em lata, enquanto os jovens filhos da televisão, treinados para contemplar a vida em vez de fazê-la, sacodem os ombros.

Na América Latina, a liberdade de expressão consiste no direito ao resmungo em algum rádio ou em jornais de escassa circulação. Os livros não precisam ser proibidos pela polícia: os preços já os proíbem.

Os ninguéns
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, 
fodidos e mal pagos:Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

 O sistema/1 
Os funcionários não funcionam. 
Os políticos falam mas não dizem. 
Os votantes votam mas não escolhem. 
Os meios de informação desinformam. 
Os centros de ensino ensinam a ignorar. 
Os juizes condenam as vítimas. 
Os militares estão em guerra contra seus compatriotas. 
Os policiais não combatem os crimes, porque estão ocupados cometendo-os.
As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
O dinheiro é mais livre que as pessoas. 
As pessoas estão a serviço das coisas.


"Existe um único lugar
 onde o ontem e o hoje
 se encontram
e se reconhecem
 e se abraçam,
e este lugar é o amanhã."
EDUARDO GALEANO 



13/04/2015 - MORRE EDUARDO GALEANO
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/13/cultura/1428928171_482353.html

As frases de Eduardo Galeano


O escritor deixa múltiplas frases sobre política, literatura e, claro, futebol

  • Enviar para LinkedIn0
  • Enviar para Google +0

Arquivado em:

 
Eduardo Galeano
O escritor, em uma imagem de 2008. / BERNARDO PÉREZ
O escritor uruguaio Eduardo Galeano, que morreu nesta segunda-feira, 13 de abril, será lembrado principalmente por seu livro As Veias Abertas da América Latina. Ao lado dessa obra, O Livro dos Abraços também receberia um bom punhado de votos numa hipotética votação sobre o melhor de um escritor que, conforme as preferências pessoais de cada um, poderia apresentar outras opções. Também suas frases, categóricas, concisas e afiadas, mereceriam uma classificação. Só que, nesse caso, a seleção, considerando a volumosa produção do pensador uruguaio, torna-se muito mais complexa. A seguir algumas delas, com a indicação de onde e quando foram ditas.

Literatura e jornalismo

“Com Juan Rulfo aprendi que se escreve pela outra ponta do lápis, a que tem a borracha” (ler mais...)
“Cortázar continuou a crescer até a morte: mãos, pés... Ele, que não queria notoriedade, e a natureza o fazia crescer e crescer, sem parar” (ler mais...)
“Agradeço ao jornalismo, que me tirou da contemplação dos labirintos de meu próprio umbigo” (ler mais...)

Política

“No século XX a metade do mundo sacrificou a justiça em nome da liberdade, e a outra metade sacrificou a liberdade em nome da justiça, e no século XXI sacrificamos as duas em nome da Globalização"  (ler mais...)
“O medo nos governa. Essa é uma das ferramentas de que se valem os poderosos, a outra é a ignorância” (ler mais)
“Habitamos um mundo que trata melhor os mortos que os vivos. Os vivos somos perguntadores, e somos respondões, e temos outros graves defeitos imperdoáveis para um sistema que acredita que a morte, como o dinheiro, melhora as pessoas”  (ler mais...)
“O trabalho não vale nada, não há dinheiro que chegue, se faz o dobro em troca da metade. O que produzem nossos países? Braços baratos. A realidade se torna uma piada de humor negro: “É preciso apertar o cinto”. “Não posso. Comi ontem”  (ler mais...)
“As paredes são a imprensa dos pobres” (ler mais...)
“A liberdade do dinheiro exige trabalhadores presos no cárcere do medo” (ler mais...)
“Seria bom que os tecnocratas, os que decidem desde a velocidade do voo das moscas até a intensidade dos amantes, ouvissem as reflexões das crianças” (ler mais...)

Iraque e o 15M

Sobre a guerra do Iraque: “O mundo está louco, talvez a solução esteja num congresso internacional de psiquiatras” (ler mais...)
Sobre o 15M (movimento surgido na Espanha em 2011): “O mundo, hoje, convida a ser indigno, e as pessoas jovens recusam esse convite. Isso me dá uma injeção de vitamina E: e de esperança, de entusiasmo” (ler mais...)

Futebol

Para os intelectuais de esquerda, o futebol impede que o povo pense. Para os de direita, prova que pensa com os pés. Que é um negócio? Isso vale para tudo. O sexo não é? Mais que qualquer esporte. E os que sabem me dizem que o sexo vai bem” (ler mais...)

Epílogo

“RECORDAR: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração...” (ler mais...)

Um comentário:

Caso queira, faça seus comentários, observações, correções. Grata pela visita.