O show do milhão
Com empenho nunca visto, o governo
abre o balcão e esmaga a CPI
da Corrupção
Malu Gaspar, de Brasília
AFP |
O presidente: reuni�o para pedir que os ministros agissem |
Rodrigues, o bispo, pediu perdão fiscal de uma dívida de vários milhões de reais para sua igreja evangélica, mas ninguém ouviu suas preces. O sindicalista Luiz Antonio de Medeiros, liderando a turma combativa do PL, só queria a presidência da BR Distribuidora, mas o governo achou que ele estava indicando para o cargo gente "muito desqualificada", segundo sábias palavras de um dos líderes do governo. Combativa, insistente, sindical, a turma solicitou então uma diretoria da Petrobras. De novo, não levou. A deputada Alcione Athayde reivindicou uma emissorazinha de televisão em Campos, no interior do Rio de Janeiro, só para distrair seus eleitores, e, por caridade, pediu um troco, de 16 milhões de reais, para um hospital de sua região. Coitada: não lhe deram nada e, suplente que era, ainda lhe tomaram a cadeira de deputada – pelo menos provisoriamente. O bispo, o sindicalista e a sem-cadeira ficaram tristes na semana passada. Falharam na hora de negociar no balcão que o Palácio do Planalto instalou no Congresso Nacional para desmantelar a tentativa de montar uma CPI da Corrupção.
Fotos Ana Araújo Jader Barbalho, que manobrou as sessões: será que o ranário ajudou? | RR ACM, cujos aliados recuaram na CPI: será que o painel violado ajudou? |
Mas uma turma fez a festa. Robério Araújo, deputado do PL de Roraima, deu o pulo-do-gato. Em apenas dois dias, arrancou 453.000 reais em verbas federais, para alegria do povo em Mucajaí e Normandia. Luciano Bivar, do PSL de Pernambuco, um deputado bem mais comedido que Robério Araújo, ficou com 80.000 para financiar projetos de interesse de seus eleitores. Augusto Nardes, do PPB do Rio Grande do Sul, levou 103.000 reais para obras nos pampas. E o pessoal do PFL da Bahia, que age sob as ordens do senador Antonio Carlos Magalhães, voltou a dar sinais de sua inabalável firmeza ideológica. Ursicino Queiroz saiu com 69.000 reais para benfeitorias em sua base eleitoral e ainda teve a deferência de uma conversa com o presidente da República. Luiz Moreira arrancou 60.000. Eujácio Simões, que é filiado ao PL mas é um baiano mais ACM que Gal Costa, levou 65.000 reais. Todos eles – Bivar, Nardes, Ursicino, Moreira, Eujácio – haviam assinado o pedido para criar a CPI da Corrupção. E todos, à última hora, retiraram a assinatura. O pedido de CPI foi apresentado com 182 assinaturas, onze a mais que o necessário, mas vinte deputados cancelaram o nome. Com isso, a CPI foi definitivamente enterrada.
Eles retiraram a assinatura porque receberam verbas do governo? Não, não e não. Bivar estava mal informado. Assinara o pedido de CPI e, de repente, descobriu que a adesão à CPI não era unânime em seu PSL. "Para minha surpresa", sublinha ele. Aí, retirou seu nome. Nardes, preocupado com as irregularidades, só recuou depois que recebeu a promessa de Aloysio Nunes Ferreira, o secretário-geral do Palácio do Planalto, de que o governo criará uma controladoria anticorrupção. O governo acaba de instituir a corregedoria-geral, entregue a Anadyr Rodrigues, mas Nardes quer a controladoria. Ele explica a diferença: a corregedoria atua em casos passados de corrupção. "A controladoria vai fiscalizar a corrupção enquanto estiver ocorrendo." Ele acreditou que a controladoria vem aí. Osvaldo Biolchi, do PMDB gaúcho, outro que retirou o nome, disse que aderiu à CPI por causa dos rombos na Sudam e na Sudene, mas depois se convenceu de que o governo "está dando duro" nos dois casos. Antes de se convencer, Biolchi bateu um papo no ministério que libera verbas para a construção de quadras de esportes.
Setenta e cinco milhões – Com a operação abafa correndo solta, o deputado Arthur Virgílio, que ocupa o cargo de líder do governo no Congresso, já estava certo de que o Palácio do Planalto venceria a parada. Mas tinha sua explicação para a vitória. "Os deputados voltarão à melhor razão, e voltarão pelo argumento, voltarão pelo debate", dizia. A razão, o argumento e o debate custaram, até sexta-feira passada, em torno de 75 milhões de reais em verbas. O dinheiro saiu dos cofres da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano (Sedu), cujas verbas são gerenciadas pela Caixa Econômica e se destinam a obras de habitação, saneamento e infra-estrutura. De janeiro até a semana passada, o cofre da Sedu liberara 16 milhões de reais. Nos cinco dias úteis que antecederam a decisão sobre a CPI da Corrupção, e também no dia seguinte, sexta, saíram os 75 milhões de reais, entre verbas represadas desde 1999. Parece até pouco, mas são apenas as primeiras gotas de uma cachoeira. O governo garante que não liberou um tostão motivado pela necessidade de convencer deputados a retirar a assinatura da CPI. Mas por que razão a Sedu conseguiu miraculosamente destravar a burocracia e desencadear uma chuva de verbas públicas sobre o Congresso? Súbita agilidade administrativa, talvez.
O rolo compressor do Palácio do Planalto mostrou o valor de alguns políticos do Congresso. O deputado José Aleksandro, do PSL do Acre, assegurava que manteria sua assinatura. "O quê? Não vou retirar assinatura, vocês estão desinformados", garantia, com ar de indignação. À meia-noite de quinta, na listinha de defecções entregue pelos governistas, lá estava o nome de Aleksandro. Não custa lembrar: Aleksandro ganhou uma cadeira com a cassação de Hildebrando Pascoal, aquele que serrava gente, e está, ele mesmo, enrolado na CPI do Narcotráfico. José Egídio Tinoco, do PL do Rio de Janeiro, que ocupa uma cadeira como suplente, também mostrou firmeza. Ele assinou a CPI e logo recebeu um telefonema do prefeito do Rio, Cesar Maia, que foi curto e grosso. Ou Tinoco retirava o nome da CPI ou o titular da cadeira reassumiria. Tinoco não vacilou: entre deixar a boquinha em Brasília e voltar para Itaperuna, desistiu da CPI.
Bananas de Pijama – Nunca o governo se empenhara tanto para barrar uma CPI, talvez porque nenhuma tenha chegado tão perto de se materializar. Na véspera do sepultamento da CPI, o presidente Fernando Henrique chegou a reunir onze ministros para pedir-lhes que saíssem da letargia. Antes disso, só dois haviam feito movimentos públicos. Francisco Dornelles, ministro do Trabalho e do Congresso, reassumiu sua vaga para tirar sua suplente, Alcione Athayde, aquela da televisão e do troco hospitalar. Carlos Melles, ministro dos Esportes e do Congresso, despachou entre deputados e verbas de quadras de esporte. A atuação maciça da cúpula do governo revelou que os dois encarregados da articulação política com o Congresso – os ministros Aloysio Nunes Ferreira e Pedro Parente, da Casa Civil – não estavam dando conta do recado. Os parlamentares não perderam tempo: inspirados em bonecos que divertem o público infantil, apelidaram a dupla de "Bananas de Pijama".
No pano de fundo da operação encetada na semana passada, já fazia muito tempo que a base de apoio ao governo no Congresso não atuava unida e de forma coordenada. Na consumação desse matrimônio repentino, inclui-se o senador Antonio Carlos Magalhães, que ordenou a seus cinco comandados retirar o apoio à CPI. Inclui-se também o senador Jader Barbalho, que, na condição de presidente do Congresso Nacional, adiou uma sessão e convocou outra de surpresa, manobrando segundo a conveniência do governo para desorganizar a montagem da CPI. ACM e Jader eram signatários do pedido de comissão de investigação. A unidade governista reconstituída na semana passada pode servir para mostrar que nem sempre faz mal ao governo ter um painel violado de um lado e um ranário de outro.
Luiz MoreiraDeputado do PFL da Bahia, assinou a CPI, recebeu dinheiro e retirou sua assinatura
60 000 reais
Ursicino QueirozOutro deputado do PFL da Bahia que fez o mesmo: pediu CPI, ganhou verba e mudou de posição
69 000 reais
Luciano BivarAfirma que, para sua "surpresa", descobriu ser um dos poucos do PSL que assinaram a CPI – e então voltou atrás
80 000 reais
Augusto NardesConta que exigiu do governo a criação de outro órgão de combate à corrupção. Por isso recuou
103 000 reais
Robério AraújoDos que retiraram a assinatura da CPI, é o campeão em volume de verba
453 000 reais |
TEATRO, RASTEIRA E CASTIGO Em Brasília, as demissões de ministros costumam ficar em duas categorias: são silenciosas ou barulhentas, mas nem sempre se conhecem seus bastidores verdadeiros. Na semana passada, a demissão do ministro da Integração Nacional, senador Fernando Bezerra, foi um desastre público: teve um teatro público, uma rasteira pública e um castigo público. Bezerra enrolou-se quando se soube de suas relações com a Metasa. A empresa, propriedade do ex-ministro de 1989 a 1998, recebeu, nesse período, 3,9 milhões de reais de dinheiro público. Deveria colocar de pé um projeto para industrializar 400 toneladas de tungstênio e empregar 145 pessoas. Mas, em nove anos, o projeto mal saiu do papel. Na terça, o ministro convocou entrevista coletiva e, entre pilhas de papéis e uma fita de vídeo de uma década atrás, procurou mostrar que, apesar de tudo, sua empresa não desviara recursos públicos. Começou falando como ministro, disse que suas explicações convenceram o presidente de sua inocência e terminou comunicando que não era mais ministro do governo. No teatro, Bezerra explicou que estava saindo porque não teve solidariedade – "ninguém me ligou para dizer 'e aí, como está, Fernando, o que houve?' " – de membros do PMDB, seu partido. Balela. Há um mês, pressionado por notícias sobre o gigantismo das fraudes na Sudam, o ministro garantiu que ficaria no cargo enquanto tivesse apoio do presidente, mesmo porque estava de saída do PMDB (veja frases abaixo). Na entrevista, transmitida ao vivo pelas televisões, Bezerra aplicou uma rasteira espetacular no presidente. Primeiro anunciou ao país que estava saindo, e só depois, como quem cumpre um ato desimportante, de pura formalidade burocrática, avisou Fernando Henrique. Antes, o presidente recebera Bezerra, ouvira suas explicações, mas, como de praxe, não o demitiu, ainda que, dias antes, já tivesse escalado seus auxiliares para preparar a fritura do ministro.
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O estranho sumiço
de um papel
Ex-diretor da PF ocultou um
documento sobre o Dossiê
Cayman para ajudar o governo
Policarpo Jr., de Brasília
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Ana Araujo | Ar |
Chelotti e o documento de 1998 que ele ocultou: ao governo não bastava inocentar três e deixar as suspeitas sobre Serjão |
Os bastidores da investigação sobre o célebre Dossiê Cayman são um labirinto de estranhezas. O dossiê, divulgado em 1998, era um conjunto de papéis falsos que atribuía ao presidente Fernando Henrique e a outros três tucanos a propriedade de uma empresa, a CH, J&T, e uma conta milionária no exterior. Passados três anos de investigações, sabe-se hoje que os documentos eram definitivamente falsos. Mas, até se chegar a essa conclusão, muitas coisas estranhas aconteceram. A mais recente revelação do episódio diz o seguinte: Vicente Chelotti, então diretor-geral da Polícia Federal, foi às Bahamas para tratar do assunto no auge do escândalo, em janeiro de 1999. Conseguiu por lá um documento que inocentava três dos quatro tucanos apontados no dossiê como proprietários da empresa e do dinheiro: o presidente Fernando Henrique, o ministro José Serra e o então governador paulista Mário Covas. E sumiu com o papel. Por essa versão, Chelotti poderia ser responsabilizado por ocultar uma prova importante, que, na prática, decretava de antemão a inocência do presidente da República, do ministro e do governador. Com a omissão, Chelotti fez com que as suspeitas durassem muito mais tempo.
A novidade é que não foi nada disso: Chelotti não cometeu uma omissão por vontade própria, mas, sim, para atender a um desejo do governo. Ele viajou para as Bahamas em 2 de janeiro de 1999 e saiu do Brasil já carregando na bagagem o documento que inocentava o presidente. Em novembro de 1998, a Interpol fez contato com o advogado Emerick Knowles, da Trident Corporate, que representava a CH, J&T. Por telefone, a Interpol ficou sabendo que a empresa nada tinha a ver com FHC, Serra ou Covas – mas nada se disse sobre o quarto tucano, o ex-ministro Sergio Motta. A Interpol pediu que a informação fosse enviada ao Brasil por escrito. A carta chegou no fax de Chelotti em 23 de dezembro, no mesmo dia em que foi redigida. Chelotti solicitou a uma agente, Angela Mardegan, que a traduzisse, avisou o ministro Serra sobre seu conteúdo e, dez dias depois, na companhia de Angela Mardegan, embarcou para as Bahamas com a missão de obter seu original.
Para o governo, a divulgação da carta era um tiro no próprio pé. Afinal, ao inocentar apenas FHC, Serra e Covas, a correspondência deixava em aberto as suspeitas sobre Sergio Motta. E, como Serjão fora amigo, ministro e caixa de campanha de FHC, as suspeitas em relação a ele equivaliam a manter todo o tucanato na berlinda. Nas Bahamas, Chelotti tentou ainda um estratagema. Pediu ao advogado Emerick Knowles que emitisse declarações individuais: uma para o presidente, outra para Serra e uma terceira para Covas. A idéia era trazer as declarações individuais ao Brasil e informar que cada autoridade pedira a sua, mas que Serjão, já então morto, não podia fazer o mesmo. Para convencer o advogado, Chelotti criou uma história mirabolante, dizendo que o Brasil era uma federação, que havia autoridades federais e estaduais envolvidas e que, por isso, as declarações precisavam ser individuais. Knowles, que não nasceu ontem, não concordou em dar as declarações. Em seguida, Chelotti pediu ao advogado que alterasse a data do documento para simular que sua emissão tivesse sido posterior à sua viagem às Bahamas. Knowles também não topou.
Chelotti retornou ao Brasil em 7 de janeiro de 1999. VEJA ouviu duas pessoas que tiveram intimidade com o assunto. Ambas garantem que, ao retornar, Chelotti informou ao ministro Serra e, também, ao presidente Fernando Henrique Cardoso o resultado de sua expedição às Bahamas. Consultado por VEJA, o presidente mandou dizer que "não tem nenhum comentário a fazer". Serra, porém, confirma que recebeu retorno de Chelotti e que falaram sobre o documento. Serra conta que alertou o então diretor da PF de que o documento carecia de credibilidade. "Podia tratar-se de mais uma armadilha dos falsários", diz o ministro, que garante, no entanto, não ter pedido a Chelotti que ocultasse o papel. Serra diz, ainda, que comentou o assunto – "não lembro bem as circunstâncias" – com o presidente e com o então governador Mário Covas. Chelotti, por sua vez, saiu-se com uma pérola. "Não divulguei o documento em memória a Sergio Motta, que não era inocentado, e porque não ajudava o presidente, pois se sabia há muito que o dossiê era falso." É estranho: nunca se soube que um delegado tenha de render homenagens a mortos em suas investigações e ocultar provas quando não beneficiam alguém. O fato é que, um mês depois de voltar para o Brasil, Chelotti elaborou o relatório de sua viagem. Em apenas trinta linhas, diz que esteve nas Bahamas e pediu a Knowles que revelasse o nome dos sócios da CH, J&T. Acrescenta, em seguida, que o advogado se recusou a fazê-lo, alegando que isso feriria a lei das Bahamas.
A investigação de Chelotti era tão sigilosa que não foi informada nem ao chefe imediato, o então ministro da Justiça, Renan Calheiros. "Conversamos sobre o assunto, mas não me lembro de ele ter falado a respeito de documento algum", conta Calheiros. O trabalho de Chelotti também não chegou ao conhecimento do delegado que presidia o inquérito sobre o dossiê, Paulo de Tarso Teixeira. Apesar das evidências de que se tratava de material forjado, o Dossiê Cayman sempre causou preocupação ao governo. É que até mesmo entre pessoas próximas de Serjão havia aquelas que achavam improvável a possibilidade de o ex-ministro não manter conta bancária no exterior. A operação Chelotti indica com que cuidado e discrição o assunto era tratado em Brasília.
Há um mês, os delegados encarregados do caso, Paulo de Tarso e Jorge Pontes, fizeram ao advogado da Trident Corporate a pergunta que ainda precisa ser respondida: Sergio Motta, afinal de contas, era ou não sócio da CH, J&T? Emerick Knowles até hoje não respondeu. Os delegados acreditam que a CH, J&T, desativada em janeiro do ano passado, pertença ao mesmo grupo de falsários brasileiros residentes em Miami que criou o dossiê, vendeu-o a políticos, como o ex-governador Paulo Maluf e o ex-presidente Fernando Collor de Mello, e tentou chantagear o governo. Se for verdade, é de supor que os falsários não teriam incluído o nome de Motta no documento omitido por Chelotti simplesmente para manter a aura de suspeição sobre os tucanos. Pode ser. Nada disso, porém, explica por que se abafou a investigação. O inquérito fora encerrado em maio de 1999, exatamente no momento em que se pediu oficialmente às Bahamas as informações que o ex-diretor da Polícia Federal já tinha recebido e deixou longe dos olhos do público.
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A TÍTULO DE ILUSTRAÇÃO...
Com tanta coisa mal explicada, o caso
Marka pode voltar a ter uma CPI
Policarpo Junior, de Brasília
Roberto Stuckert Filho |
Tereza Grossi depondo no Senado ao lado de Armínio: dúvidas no ar |
Na semana passada, a diretora de fiscalização do Banco Central, Tereza Grossi, depôs sobre a ajuda secreta de 1,6 bilhão de reais aos bancos Marka e FonteCindam na crise cambial, em janeiro de 1999. Estava acompanhada do presidente do Banco Central, Armínio Fraga, mas foi seu depoimento que mais chamou a atenção – não pelo que disse, mas sobretudo pelo que não disse. Tereza Grossi negou que tenha ouvido falar em chantagem ou que o então presidente do Banco Central, Francisco Lopes, vendesse informação sigilosa para um punhado de clientes. Garantiu, mais uma vez, que só propôs a ajuda aos dois bancos porque o país estava num regime de banda cambial e explicou que, se soubesse que a banda seria implodida três dias depois, sua proposta seria outra: a liquidação pura e simples dos dois bancos. Por fim, sempre que foi questionada a respeito de alguns detalhes, Tereza Grossi recomendou aos senadores que perguntassem a seus superiores na época – já que era chefe adjunta do setor de fiscalização, então comandado por Cláudio Mauch, e não pertencia à diretoria do BC.
Selmy Yassuda |
Cacciola: ajudado pelo BC na hora do aperto |
O Banco Central ajudou o Marka e o FonteCindam por temer que, com a quebra dos dois bancos, o sistema bancário todo entrasse em colapso, num efeito dominó, pela eventual eclosão de uma crise de confiança. Para evitar isso, o BC ofereceu dólar ao Marka à cotação de 1,27 real, mais barato que o preço da moeda no mercado, e ao FonteCindam a 1,32 real, correspondente ao preço oficial do dólar, que explodiria no dia seguinte. Não deu dinheiro diretamente. Os dois bancos tinham contratos de venda de dólar no mercado futuro, e o BC comprou todos esses contratos, evitando o prejuízo que ambos teriam. Impediu-se aquilo que o BC chama de "risco sistêmico". Mas as suspeitas de que houve coisa errada continuam no ar.
Tudo o que a diretora Tereza Grossi fala é ouvido com extrema atenção pelas autoridades do governo. Em 1999, o governo se empenhou para que a CPI que investigava a ajuda aos bancos não quebrasse o sigilo bancário e telefônico de Tereza. Houve até um ministro que se mobilizou para convencer dois senadores – João Alberto, do PMDB do Maranhão, e Siqueira Campos, do PFL do Tocantins – a desistir dessa idéia. No governo, não havia temor de que as conversas telefônicas ou a conta bancária de Tereza trouxessem alguma novidade comprometedora. O temor era de que, incomodada pela devassa em sua intimidade, Tereza não suportasse a pressão e falasse um pouco mais livremente sobre os bastidores da operação. Em 16 de junho de 1999, os senadores que pertenciam à CPI decidiram cancelar o pedido de quebra de sigilo bancário e telefônico de Tereza Grossi, que fora aprovado na véspera. Por que mudaram de opinião de um dia para o outro?
Wilton Junior/AE |
Chico Lopes: ajuda suspeita na virada do câmbio em 1999 |
O senador João Alberto, que foi relator da CPI, diz que o pedido de quebra dos sigilos de Tereza foi aprovado, mas, por culpa de uma funcionária da CPI, Cleide Cruz, o papel ficou guardado na gaveta e não foi remetido ao Banco Central. "Não fiz nada de errado e não vão fazer de mim uma nova Regina Borges", rebate Cleide Cruz, referindo-se à ex-presidente do setor de processamento de dados Regina Borges, que se envolveu na violação do painel eletrônico do Senado. "Recebi uma orientação para não mandar o pedido e aguardar até segunda ordem", completa a funcionária. A tal segunda ordem nunca chegou, até que a CPI aprovou outro requerimento desistindo de quebrar os sigilos.
No momento em que estendeu a rede de proteção sob o Marka, o BC socorreu também um fundo controlado pelo Marka Bank, uma subsidiária do banco de Cacciola com sede nas Bahamas, com mais 29 milhões de reais. Parte desse dinheiro foi enviada ao exterior. "A informação do senhor Cacciola era de que havia posições descobertas na Bolsa de Chicago", explicou a diretora de fiscalização. Pediu, levou. Tereza disse que, quando foi autorizada a operação, não sabia que o único cotista do tal fundo era o próprio Marka Bank – o que levanta a suspeita, até hoje não esclarecida, de que o único beneficiário dessa remessa foi o próprio Cacciola. Com as dúvidas ainda no ar, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara aprovou a criação de uma CPI para apurar o caso. Agora, o pedido precisa ser aprovado em plenário. Se a CPI sair, poderá esclarecer outro pedaço: quem eram os beneficiários do esquema de Chico Lopes. O senador petista Eduardo Suplicy, que diz ter uma testemunha de tudo, afirmou na semana passada que eram cinco bancos: o Marka, o FonteCindam, o Pactual, o Boavista e o Modal.
Entre ligações e títulos
Semana ruim para Jader: a negociata
de títulos agrários está confirmada – e
dois extratos telefônicos mostram a
relação do senador com o maior
fraudador da Sudam
Malu Gaspar e Alexandre Oltramari
Mauricio Camargo/Obritonews
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Jader Barbalho, entre títulos da dívida agrária cancelados devido à descoberta de uma fraude e extratos telefônicos mostrando as ligações entre o senador e o empresário José Osmar Borges, acusado de desviar 133 milhões de reais da extinta Sudam: os contatos eram feitos por meio do celular de uma terceira pessoa ou de um aparelho num quarto do Hotel Hilton em Belém do Pará
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O senador Jader Barbalho, presidente do Congresso Nacional, jamais contou tudo sobre sua relação com José Osmar Borges, dono de seis empresas, três CPFs e acusado de desviar 133 milhões de reais da extinta Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Às vésperas de sua eleição à presidência do Senado, Jader afirmou que conhecia Osmar Borges "havia muitos anos", assim como conhecia outros "inúmeros empresários da Sudam". Ou seja: não tinha com ele nenhuma relação especial. Dois meses depois, descobriu-se que havia, sim, uma relação especial: Jader fora sócio de Osmar Borges numa fazenda no Pará, entre 1996 e 1998. O senador disse então que, na época da sociedade, não sabia que o empresário estava enrolado com fraudes na Sudam. "Eu teria de ser vidente", afirmou. Na mesma ocasião, Jader informou que, depois de desfazer a sociedade na fazenda, em janeiro de 1998, manteve alguns contatos com Osmar Borges. Coisa sem importância. "Após minha eleição no Senado, ele me mandou uma fita de vídeo com seus empreendimentos", disse. E nada mais.
Agora, descobriu-se que sua relação com o fraudador é muito mais próxima do que o senador admitiu. VEJA teve acesso a dois extratos telefônicos de Osmar Borges. Eles mostram as ligações do empresário durante três meses de 1999 e em outubro e novembro de 2000 – bem depois de janeiro de 1998, data em que foi desfeita a sociedade na fazenda no Pará. Nesses cinco meses, Osmar Borges fez dezoito ligações para o senador: há cinco telefonemas para a casa de Jader em Brasília, outros três para a casa de Jader em Belém e mais dez chamadas para o celular do senador. São sempre conversas rápidas. A mais longa, feita para o telefone da casa de Jader em Belém, durou três minutos e 47 segundos. Nos mesmos extratos, está registrado que o senador também ligou para o celular de Osmar Borges. Foram dois telefonemas, ambos em maio de 1999 – exatamente o período em que começaram a vir a público as tramóias do empresário na Sudam. Os contatos entre ambos eram feitos só através de números privados. Não há uma única ligação para números públicos do senador – como seu escritório político em Belém ou seu gabinete de senador em Brasília.
Claudio Rossi
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O ex-banqueiro Serafim de Moraes e a mulher, Vera Campos, em sua casa em São Paulo e o recibo de depósito de 700 milhões de cruzados novos (hoje, 3,4 milhões de reais) em favor de Pedrosa da Silva, com a devida autenticação mecânica: a versão do casal foi confirmada. Os dois, de fato, compraram títulos da dívida agrária de Pedrosa da Silva e realmente os entregaram a um fundo de pensão, a Portus. Os dois, porém, afirmam apenas que viram o senador Jader Barbalho no saguão do hotel onde a negociação foi feita, mas não sabem dizer se o cheque foi parar nas mãos dele
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Outro dado curioso é que, na aparência, Osmar Borges tentava ocultar o rastro de suas ligações para o senador. Um dos extratos telefônicos a que VEJA teve acesso é do celular do empresário, mas o número está em nome de seu irmão, Carlos Cesar Borges. Quem examina o extrato fica supondo que Carlos Borges ligava para o senador – mas, na verdade, era o próprio Osmar Borges. O ex-policial federal Alberto Koury, por exemplo, confirma essa hipótese. Ele recebeu nove ligações desse celular e ligou para esse número sete vezes – mas garante que só conhece Carlos Borges "de vista". "É que o Carlão trabalha com o Osmar Borges. Do Osmar Borges, sim, eu recebia ligações", diz Alberto Koury, ele próprio enrolado com fraudes na Sudam. O outro extrato a que VEJA teve acesso traz ligações que Osmar Borges fez, em outubro e novembro de 2000, de um apartamento no Hotel Hilton, em Belém, onde o empresário se hospedava com freqüência. A dúvida é: por que Osmar Borges e Jader não se falavam por telefones comuns? Por que só por meio do celular de uma terceira pessoa e do aparelho de quarto de hotel?
Testa-de-ferro – É difícil imaginar que Osmar Borges precisasse fazer tantos contatos, e ainda por cima para as duas casas e para o celular de Jader, só para combinar a remessa de um vídeo de seus empreendimentos ao senador. Pode ser até que Jader recebesse tantas ligações do empresário apenas para falar de amenidades ou dos bons tempos em que foram sócios numa fazenda. O problema é que o senador poderia ter dito isso logo no início. Poderia ter dito que era amigo de Osmar Borges, que fora seu sócio e que, mesmo depois de descoberto seu envolvimento com fraudes na Sudam, seguiu fiel à amizade. Mas, como sempre quis passar a impressão de que nunca teve relações próximas com Osmar Borges, o próprio senador produz a impressão de que mentiu sem parar. Os procuradores do Ministério Público que investigam as fraudes na Sudam já trabalham com uma suspeita cabeluda: a de que Osmar Borges possa ter atuado como testa-de-ferro do senador. É uma suspeita cabeluda porque Osmar Borges, além de ser acusado de desviar 133 milhões de reais da Sudam, foi pilhado mandando 110 milhões de reais para o exterior. Ninguém sabe o destino do dinheiro.
Em vez de esclarecer, o senador prefere confundir. Em 16 de abril passado, por exemplo, subiu à tribuna do Senado para falar da sociedade com Osmar Borges na fazenda. Falou, falou e prometeu entregar as declarações de imposto de renda de sua mulher e da fazenda, mostrando que o negócio fora regular. Passados dois meses, os documentos até hoje não apareceram. Na semana passada, Jader voltou à tribuna, pela terceira vez, desde que assumiu a presidência do Senado, em fevereiro passado, para defender-se de acusações. Desta vez, a suspeita é que se tenha beneficiado da venda de títulos da dívida agrária fajutos quando era ministro da Reforma Agrária. De novo, Jader falou, falou e não convenceu seus pares. Os compradores dos títulos – o banqueiro Serafim Rodrigues de Moraes e sua mulher, Vera Arantes Campos – contam que, quando repassaram o dinheiro ao vendedor dos papéis, Vicente de Paula Pedrosa da Silva, avistaram no local, o saguão do Hotel Hilton em São Paulo, o então ministro Jader Barbalho. O fato de estar presente no hotel onde Pedrosa da Silva aplicava um golpe não é suficiente para comprometer Jader. Mas as explicações, em vez de ajudar, só atrapalham.
Pedrosa da Silva, por exemplo, garantiu que jamais vendera TDAs ao casal. Na semana passada, Vera Campos provou que o negócio foi feito. Ela assinou dois cheques, ambos do antigo banco Bamerindus. Um, de número 863685, no valor de 50 milhões de cruzados, que equivalem hoje a 275 000 reais. Era um sinal, dado em 28 de novembro de 1988. O outro cheque, que sacramentou o negócio, saiu de um talão anterior, tinha o número 863665 e valor de 700 milhões de cruzados, ou 3,4 milhões de reais em valores atuais. Mais do que isso: Vera mostrou o recibo do depósito de 700 milhões de cruzados que fez em favor de Pedrosa da Silva. Também ficou confirmada a versão de que o casal, ao comprar os TDAs, usou os papéis num negócio com a Portus, fundo de pensão da extinta Portobrás. Em junho de 1997, um juiz federal até expediu um mandado de segurança para que a Portus não fosse prejudicada pelos títulos falsos, pois os comprara de boa-fé – o que acaba por comprovar que a operação realmente foi realizada.
Recordista em TDAs – Há outro dado complicador. O casal conta que, antes de Pedrosa da Silva, foi procurado por Henrique Santiago. "Ele saiu de Belém e veio a São Paulo nos oferecer um negócio grande de TDAs, mas não deixaram ele vender tudo o que queria", diz o ex-banqueiro Serafim de Moraes. O ex-banqueiro, que já simpatizara com o tal Henrique Santiago, concordou em comprar os TDAs que o moço tinha em mãos. Era um quantia ínfima. "Era tudo o que ele tinha, acho que resolveu vender para pagar pelo menos as passagens de avião de volta", diz Serafim. O que o casal não sabia é que Henrique Santiago era homem de Jader Barbalho. Ele trabalhava como chefe de cadastro numa repartição do Ministério da Reforma Agrária, em Belém, e chegou a ter participação na desapropriação da fazenda de Pedrosa da Silva – que, aliás, era uma terra falsa, razão pela qual os TDAs acabaram sendo cancelados pelo governo. A presença de um afilhado de Jader Barbalho no negócio é mais um indício de que o senador pode ter tomado conhecimento da operação fraudulenta.
Agora, resta saber se o dinheiro que Pedrosa da Silva embolsou chegou a pousar em alguma conta bancária ligada ao senador Jader Barbalho. Só o rastreamento do dinheiro poderá confirmar ou descartar a suspeita. O fato é que não é a primeira vez que o senador aparece enrolado com negócios ilícitos com TDAs, herança da época em que foi ministro da Reforma Agrária do governo Sarney, entre setembro de 1987 e julho de 1988. E Jader tinha um gosto especial por esses títulos. Em menos de um ano à frente do Ministério da Reforma Agrária, ele foi responsável por 73% dos TDAs emitidos até hoje desde a criação desses papéis, em 1964. Com uma máquina tão generosa na emissão de títulos, muitas foram as fraudes. Em 1987, por exemplo, aconteceu um caso muito semelhante ao protagonizado por Pedrosa da Silva. A mecânica é idêntica: são emitidos títulos fajutos, os títulos são vendidos para algum incauto e depois cancelados. Assim, os cofres públicos não perdem dinheiro, mas os mentores do golpe saem com os bolsos recheados.
No golpe de 1987, o governo desapropriou a Fazenda Nova Canaã, de 49 000 hectares, em Mato Grosso. O proprietário foi indenizado com TDAs, emitidos em tempo recorde: apenas dois dias. Um funcionário que se encarregou da tarefa, Ivan da Silva Mello, em depoimento à Polícia Federal, contou que a ordem de urgência veio do próprio ministro Jader Barbalho. Curiosamente, o advogado dos proprietários da Nova Canaã já estava de posse dos TDAs antes mesmo de o Diário Oficial da União publicar a autorização para que os títulos fossem pagos. Como se vê, foi um negócio a jato, realizado dentro do ministério de Jader. Oito meses depois, os títulos foram cancelados porque a desapropriação fora irregular. De lá para cá, todas as investigações sobre este caso foram caindo uma a uma, ano após ano. O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, achou que Jader Barbalho devia ser excluído do rol dos investigados. Resultado: mais uma pizza na República.
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Será que aparece?
Senador Suplicy diz que tem
testemunha da chantagem
Policarpo Junior, de Brasília
Joedson Alves/AE Malan, no Senado: que a testemunha se apresente |
O ministro da Fazenda, Pedro Malan, prestou um longo depoimento na semana passada sobre o socorro dado em janeiro de 1999 aos bancos Marka e FonteCindam. Há duas semanas, VEJA revelou os bastidores dessa operação. A ajuda de 1,6 bilhão de reais foi concedida depois de uma chantagem contra o presidente do Banco Central, Francisco Lopes, feita pelo dono do Marka, Salvatore Cacciola. O banqueiro, hoje foragido em Roma, usou como trunfo um conjunto de gravações telefônicas clandestinas mostrando que havia um esquema de vazamento de informações privilegiadas no Banco Central, cujo personagem principal era Chico Lopes. Pedro Malan foi convidado pelo Senado para esclarecer o caso, falou por mais de seis horas e repetiu o que dissera em ocasiões anteriores. Ao reafirmar que Chico Lopes foi demitido por incompetência, não por corrupção, o ministro confundiu as datas ao contar ter sido informado da ajuda aos bancos pelo atual presidente do BC, Armínio Fraga, "no final de fevereiro" de 1999 – embora o socorro já tivesse saído na imprensa na primeira quinzena de fevereiro daquele ano.
Caio Guatelli/Folha Imagem |
Suplicy: sua fonte diz que eram cinco bancos no rolo |
O depoimento de Malan não trouxe novidades, mas novidade não faltou na sessão em que ele se apresentou. Em meio ao depoimento do ministro, o senador Eduardo Suplicy, do PT paulista, declarou que uma pessoa do mercado financeiro em São Paulo, que ele garantiu conhecer há algum tempo mas cuja identidade não quis revelar, procurou-o na segunda-feira passada e contou que sabia de detalhes do esquema de venda de informações privilegiadas no BC na época de Chico Lopes. Segundo Suplicy, o informante acrescentou que os beneficiários do vazamento pagavam uma propina mensal e afirmou que cinco bancos participavam do esquema. Todos eles, disse a testemunha ao senador, tiveram lucros espantosos no segundo semestre de 1998. Trata-se de um dado novo. Até agora, sabia-se do envolvimento de três instituições: Marka, FonteCindam e Pactual, todas do Rio de Janeiro. Já se falou de um quarto banco, mas é a primeira vez que alguém diz que eram cinco os beneficiários.
De acordo com Suplicy, seu informante identificou os outros dois bancos, mas o senador não quis revelá-los. Como não dispõe de provas materiais do que disse, a testemunha de Suplicy concordaria em fazer suas revelações desde que fosse numa conversa pessoal com Pedro Malan. Instado a recebê-la, o ministro disse que não pretendia fazê-lo. Suplicy encaminhou uma carta ao ministro, que a repassou à Procuradoria Geral da República. O senador afirmou que o informante não se apresenta publicamente por medo de sofrer represálias. "É alguém muito respeitado no mercado financeiro", ressalta Suplicy. Essa tem sido uma tônica neste escândalo. A maioria não fala e, entre a minoria que até agora se dispôs a contar o que sabe, pouquíssimos superaram o receio de retaliações e concordaram em aparecer publicamente.
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FONTE: REVISTA VEJA 2001
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