A cura pela palavra ou “talking cure” foi o método definido por Freud para tratar dos sintomas de seus pacientes que, no início dos primeiros casos, era constituído em sua grande maioria pela histeria.
No início da psicanálise, Freud intervinha sem parar estimulando seus pacientes a falarem quando estes se retraiam diante de algum pensamento. “Fale o que ocorre à alma”, dizia o metapsicólogo. “Deixe vir à tona os pensamentos sem nenhuma censura”. Era através da cadeia de pensamentos produzidos no discurso por associação livre, que o psicanalista dava voz aos sintomas que se escondia sob o véu dos pensamentos inconscientes e recalcados.
Assim, a técnica psicanalítica foi definida pela relação estabelecida pela linguagem. Mas não era qualquer palavra. A interpretação psicanalítica buscava interpretar a palavra subsumida ao sintoma inconsciente do paciente, pois se Breuer fechou os ouvidos para aquilo que seus pacientes tinham a dizer, Freud ressaltou os poderes terapêuticos da verbalização. A ortopedia verbal da fala tornou-se o letimotiv da psicanálise.
Mas a técnica psicanalítica ainda não estava aprimorada. Ela estava em efervescência e Freud estava tomado pela sua descoberta, havendo pouco espaço para o interdito. Como chegar até o inconsciente se os pacientes se recusavam a falar? Como dar corpo ao sintoma diante de um interdito?
É neste momento “o silêncio” entra em cena na psicanálise. Freud quer saber sobre aquilo que não “está sendo dito”, incitando o paciente ao discurso, sem lhe esconder nada, tal qual uma confissão. Era a partir da incitação ao discurso que Freud acreditava que fossem produzidas associações levando o paciente à rememoração daquilo que provocou seu sintoma, sendo o silêncio banido do campo da análise. No silêncio, não haveria acesso ao inconsciente nem o analista poderia exercer sua função. Muitas foram as interpretações dadas por Freud quando o silêncio se fazia presente numa sessão analítica: dificuldade na relação transferencial, ação da censura e do recalque diante algum pensamento inconsciente, retraimento diante de uma fala do analista ou a ação da pulsão de morte que desvelava sua sombra no aparelho psíquico. O próprio processo do recalque, diria Freud anos mais tarde, se dá sem silêncio. Logo o silêncio virou resistência, sintoma e foi colocado sob suspeita diante da falta de discurso do paciente.
Depois de Freud, seus discípulos se aventuraram a interpretar o silêncio através de um conjunto de teorias que se fizeram mais ou menos correntes na psicanálise até hoje. Muitos deles se arriscaram a ir além das interpretações do próprio mestre. Outros analistas construíram uma nova base sobre a qual se sedimentara uma interpretação ora negativa, ora positiva acerca do conceito do silêncio no setting analítico.
Compreendendo a psicanálise como uma arte da interpretação que se dava eminentemente a partir do que o paciente verbalizava, para Freud o silêncio vai ser compreendido a partir de alguns pressupostos teóricos, tais como:
a) censura – a psicologia do inconsciente representado sobretudo no período dos “Estudos Sobre a Histeria”, vai se preocupar com a função da censura advinda dos conteúdos inconscientes e a ruptura do fluxo associativo, o que levaria à dificuldade do manejo da transferência. No contexto da primeira tópica e do ponto de vista econômico, o silêncio identificado à censura pode ser considerado como o “vazio do recalque”, ou seja, uma expressão do jogo de forças que levam a cabo o recalcamento de uma representação;
b) recalque - na primeira tópica, Freud aponta como origem da resistência uma ação proveniente do próprio recalcado, impedindo as representações inconscientes de virem a luz sob forma de palavras;
c) transferência x resistência – para Freud a transferência é um dos eixos sobre a qual se sustenta a psicanálise e instrumento essencial da ação terapêutica; logo, o metapsicólogo considerou a interpretação da resistência juntamente com a interpretação da transferência uma característica essencial da manifestação do silêncio no setting;
d) mecanismos de defesa – com a segunda tópica, o recalcado não opõe nenhuma resistência à cura, pelo contrário, ele buscava encontrar algum caminho à consciência, o silêncio seria compreendido como um mecanismo de defesa ao mundo externo ou até mesmo à intervenção da fala do analista;
e) pulsão de morte – a partir da segunda tópica, a pulsão de morte (sem representação no inconsciente) age em silêncio levando a compulsão à repetição, à diminuição das tenções ao nível zero, à inércia e à não vida. A manifestação do silêncio no psiquismo leva a dificuldades na capacidade de simbolização manifestado na clínica, com prejuízo ao pensamento e a dificuldade de representações.
Com Sandor Ferenczi o silêncio será concebido como economia psíquica subsumida à satisfação das pulsões. Para o autor “o silêncio é de ouro, porque não falar representa em si uma economia”, estabelecendo uma relação entre o calar e a retenção das palavras com a retenção das fezes ou da expulsão anal, demonstrando uma relação entre guardar ciumentamente o tesouro das palavras à maneira dos excrementos. Calar-se, significa acima de tudo reter com prazer a descarga de uma palavra que deveria ser dita.
Robert Fliess, por sua vez, opõe a palavra enquanto abertura erógena ao fechamento dos orifícios que o silêncio significa. Haveria, portanto, três tipos de verbalização regressiva: oral, anal e uretral, que por sua vez corresponderiam a três tipos de silêncio: o silêncio erótico-oral, o silêncio erótico-anal e o silêncio erótico-uretral. Para o autor, falar representa um substituto da dilatação esfincteriana, posto que o silêncio corresponde a um fechamento dos orifícios erógenos, cuja retenção das palavras se daria como um sucedâneo da retenção das fezes, daí a dificuldade do analisando respeitar a regra fundamental da psicanálise.
Entre 1910 e 1935, diversos autores, a exemplo de Karl Abraham e Sandor Ferenczi, tratarão o silêncio a partir do ponto de vista econômico, introduzindo o conceito técnico de mecanismo de defesa. Para Abraham, a recusa em falar do paciente e a sustentação do seu silêncio nada mais seria do que a manifestação de um desejo erótico oral.
Para Theodor Reik o silêncio não se coaduna como um mecanismo de defesa, pelo contrário, é abertura do paciente para o campo analítico. O autor ressalta o valor técnico positivo do silêncio do analista, posto que este não tem medo do silêncio e pode dar a ele diversos sentidos numa análise.
A primeira contribuição psicanalítica a um caso de mutismo infantil veio através de um ensaio de Sophie Morgenstern, demonstrando como um conflito psicológico traumático poderia ser manejado na impossibilidade de ser posto em palavras, através do uso da técnica de desenhos no atendimento psicanalítico com crianças.
Diante de um vasto cenário no qual as diversas escolas de psicanálise apresentavam diferentes modos de conceber a dinâmica do processo analítico em suas diferentes abordagens teórico-clínicas, o silêncio se apresentou como um fenômeno duplo: por um lado, a dificuldade de constituição de uma metapsicologia do silêncio e, por outro, o manejo e a interpretação dada quando o silêncio se fazia presente no setting, ou seja, havia um desdobramento entre o mesmo fenômeno postulado pelo silêncio do paciente e o silêncio do analista.
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