TRAVESSEIRO SUSPENSO POR FIOS DE NYLON

terça-feira, 24 de março de 2015

Memória: em 2001 os brasileiros também ficaram muito zangados com o Governo Federal ...

As lições de FHC a Dilma

Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sugere que, por questão de patriotismo,  a presidente Dilma Rousseff renuncie ou admita que errou. Não incluiu nas recomendações ajoelhar no milho, vergastar-se em público ou ir a pé até Aparecida do Norte.
Tivesse nível político, a esta altura do jogo estaria nas articulações da governabilidade, o pacto tácito lançado na semana passada entre lideranças empresariais, políticas e alguns gurus suprapartidários, como Delfim Neto, para garantir um mínimo de governabilidade ao país.
Essa ira extemporânea visou apenas dar o troco a esses ignaros que o deixaram de fora do banquete dos sábios.
Fora do governo, nunca teve dimensão para se tornar uma dessas figuras reverenciais, a quem a Nação recorre em tempos de tempestade.
***
Nas eleições de 1998, FHC enganou os eleitores da mesma maneira que Dilma. Garantiu que a política cambial não mudaria. O câmbio explodiu menos de dois meses depois de eleito, provocando no público a mesma ira e desprezo dedicados, agora, a Dilma.
O país ficou com um vácuo de poder similar ao atual. Pior ainda, porque com o câmbio descontrolado. A crise arrebentou com as contas dos estados, a ponto do governador mineiro Itamar Franco dar o calote em um empréstimo internacional.
Os governadores pressionaram FHC para uma reunião palaciana que ameaçava botar mais lenha na fogueira da crise.
***
No dia 9 de fevereiro de 1999 publiquei em minha coluna na Folha o artigo “O imbróglio dos Estados”( http://migre.me/rd6r7), alertando para a necessidade de bom senso e acenando com a tese do “encontro de contas” como definidora do pacto federativo. Essa tese foi levantada no início dos anos 90, propondo um encontro de contas entre Estados e os diversos fundos sociais (INSS, FGTS) visando equilibrar as contas públicas.
***
FHC ficou tão perdido que seu genro David Zylbertsztajn me procurou querendo mais dados que pudessem ser apresentados na reunião com os governadores, porque o aturdimento era tal que FHC não sabia o que oferecer.
Fui a Brasília para uma conversa com o então Ministro das Comunicações Pimenta da Veiga, enquanto outros defensores da tese do encontro de contas procuravam o PFL.
No dia 10 de fevereiro, o artigo “A bola está com FHC” (http://migre.me/rd6zD), insisti na necessidade de um plano de voo. O que escrevi para ele cabe como uma luva para Dilma:
“ Ficando onde está, nessa cantilena interminável de que cortes e mais cortes, por si, irão resolver a questão da crise, será condenar toda a nação ao imobilismo”. E insistia na tese do encontro de contas.
Naquele mesmo dia, Pimenta anunciou o plano em cima das ideias que havíamos conversado.
No dia seguinte publiquei a coluna “Uma saída para o futuro” (http://migre.me/rd6Fw)reportando ao anúncio de Pimenta e prevendo que se não fosse uma mera jogada de marketing, poderia ser o primeiro ensaio para romper com a inércia.
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Houve a reunião com governadores. O tema encontro de contas serviu para baixar a fervura. Sem a pressão, porém, a ideia morreu pouco depois. E FHC continuou empurrando o país com a barriga, deixando explodir a crise do “apagão”, mantendo a economia em crise por falta de protagonismo.
Nem por isso, julgou ser questão de patriotismo renunciar e passar o bastão a outro.
FONTE:http://www.jornalggn.com.br/noticia/as-licoes-de-fhc-a-dilma





O país está muito zangado

Pesquisa exclusiva sobre o racionamento

de energia elétrica mostra como está o

humor do brasileiro em relação ao

governo. E ele está péssimo
Adriano Ceolin e Alexandre Secco

Ana Araújo
A SOMBRA DA CRISE
. De abril para cá, a avaliação positiva de FHC caiu de30 para 22 pontos

. A avaliação negativa aumentou 
de 28 para 37 pontos

. Ou seja, 19% dos entrevistados trocaram de posição – e para pior








De todas as crises que o Brasil já atravessou (e não foram poucas), esta é a primeira que começa na cozinha, passa pelo quarto e pela sala e pode ser conferida nas ruas, no trabalho, na casa dos amigos, no supermercado, em toda parte. Da crise de energia ninguém escapa, no sentido físico da palavra. As outras crises começavam lá longe, na Ásia ou na Rússia, assustavam o mercado financeiro, provocavam o aumento do dólar, a explosão dos juros e a fuga do capital estrangeiro. Não era pouca coisa, mas os efeitos dessas fases ruins passavam mais ou menos longe do cidadão comum. Agora é diferente. A família precisa desligar o freezer e fazer economia na máquina de lavar roupa e nas lâmpadas. E a partir da semana que vem os caixas 24 horas funcionarão apenas por dezesseis. Pior: quase certamente vêm por aí os apagões ou o feriado compulsório para economizar energia. O furacão chega ao Brasil nesta segunda-feira, quando começa o racionamento. O brasileiro que já está tomando banho frio pela manhã ainda vai ter o resto do dia para se enfurecer com as notícias de queda de produção nas empresas e cortes nas folhas de pagamento.

A novidade caiu como uma bomba num país que vem sendo atingido por um vendaval de más notícias nos últimos tempos. Poucas vezes se viu o brasileiro, do rico ao pobre, tão irritado com um governo que a opinião pública responsabiliza pela crise da energia. Na semana passada, o instituto de pesquisas Sensus, de Belo Horizonte, anunciou os dados de seu estudo mensal para avaliar o nível de satisfação da população com o governo durante a gestão do presidente Fernando Henrique. As entrevistas foram realizadas entre os dias 18 e 24 de maio, em plena fase de preparação para o racionamento. A imagem do presidente desabou. Em relação à pesquisa feita em abril, sua avaliação positiva caiu de 30 para 22 pontos. Seu índice de avaliação negativa aumentou de 28 para 37 pontos. Ou seja, 19% dos eleitores trocaram de posição – e para pior. Quando se traduzem os números, eles ficam ainda mais assombrosos. Perder 19 pontos porcentuais em trinta dias significa dizer que 20 milhões de eleitores passaram a ter uma visão mais negativa a respeito do governo.

Do ponto de vista técnico, a discussão está encerrada. Ficou óbvio que o governo evitou fazer investimentos na geração de energia nova na certeza de que o ministro da chuva, São Pedro, supriria o país de água. Para tentar aferir o grau de irritação das pessoas em relação a essa falha grave do governo, VEJA encomendou na semana passada uma pesquisa ao instituto Vox Populi, de Belo Horizonte. Foram entrevistadas 1.000 pessoas, em dezesseis Estados, e o resultado é impressionante. A pesquisa apresenta um Brasil ácido em relação ao governo.

A certa altura do levantamento, perguntou-se aos entrevistados qual era a principal marca do governo tucano. A alternativa "é o governo que estabilizou a economia" recebeu 7% das respostas. Venceu o item "é um governo marcado por denúncias de corrupção", apontado por 36% dos entrevistados. De acordo com a pesquisa, apenas 14% disseram confiar plenamente no presidente, e 83% das pessoas se declaram insatisfeitas com o rumo que o país está tomando. Em outro trecho do levantamento do Vox Populi, quando são convidadas a comparar o Brasil com uma imagem, a maioria das pessoas optou por afirmar que o país lembra um caramujo, que anda muito devagar, ou uma montanha-russa, cheia de altos e baixos. Vê-se que o Brasil atravessa uma crise de auto-estima, com algumas particularidades que a tornam especialmente perversa. Nos tempos da hiperinflação, o país lutava contra um dragão que o mantinha no subdesenvolvimento. Onze planos econômicos fracassaram, e o Brasil saiu pior de cada um deles. A auto-estima da nação estava no nível do chão. Vivia-se num país com 50% de inflação mensal, com a economia fechada e estatizada. Agora, é diferente. "Sabemos que temos as condições e a vontade de fazer, só que o governo não nos deixa fazer", diz o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). "É como se a capacidade empreendedora do brasileiro fosse tirada da tomada."

Há outro fato relevante. A pesquisa do Vox Populi evidencia que não é expressiva a fatia da população que se deixa enganar facilmente. Pouca gente engoliu a primeira versão difundida por Brasília de que existiria uma relação imediata de causa e efeito entre a falta de chuva e a escassez de energia, como se todo o problema resultasse de crueldade do ministro São Pedro. Mais da metade das pessoas identificam o governo – e não a meteorologia – como o culpado pela crise. Outro aspecto positivo está relacionado às providências antiapagão. De acordo com os dados, 91% dos entrevistados tomaram alguma providência para reduzir o consumo de luz. Quer dizer: o brasileiro sabe que, se colocar em prática sua irritação política, desrespeitando as medidas e não aderindo ao corte, ele pode até imprimir uma derrota eleitoral ao governo federal no ano que vem. Mas agora quem vai ficar no escuro é ele. "O brasileiro reafirma com esse comportamento um traço marcante de sua personalidade: uma incrível frieza e capacidade de adaptação", diz o cientista político Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi.

Essa capacidade de adaptação já foi posta à prova em momentos anteriores com resposta positiva da população. Desde o fim da ditadura, submetido a uma sucessão de planos econômicos, o país mostrou que, em nome de um futuro melhor, compromete o atual conforto sem pestanejar. Em 1986, o presidente José Sarney conseguiu apoio da população ao Plano Cruzado. A moeda mudou, salários e preços foram congelados e decretou-se a moratória da dívida. O mesmo aconteceu no confisco praticado pelo governo Fernando Collor. A sociedade admitiu entregar ao governo a guarda de uma fatia grande do saldo das contas correntes e aplicações financeiras. A população não faltaria depois a Fernando Henrique, quando foi anunciada a unidade real de valor (URV). Houve quem dissesse que o país levaria meses para se adaptar à nova moeda. Precisou apenas de alguns dias.

Há, no entanto, uma diferença essencial entre os demais testes de adaptação e o sacrifício a que o país se submete a partir desta semana. Quando Sarney convocou os brasileiros a controlar os preços, apresentou uma explicação razoável. Ele tentava daquela forma resolver um problema herdado dos governos militares. No instante em que Collor confiscou a poupança, por pior que fosse o remédio, o governo havia montado um discurso crível. Ele precisava consertar os buracos nas contas públicas produzidos pelas aventuras pacoteiras do antecessor. O mesmo aconteceu com Fernando Henrique, quando estabilizou a economia e todo mundo conheceu a URV. Era uma forma de zerar o passado collorido. Mas e agora? Que desculpa o governo tucano pode dar ao país se foi ele próprio quem produziu a crise da energia? Por ausência de explicação aceitável, o presidente está pagando com uma queda sensível nos indicadores de popularidade.

A respeito dos dados, existem duas leituras complementares. Uma delas é estimulada pelos tucanos e diz respeito à capacidade de reação do presidente. Em outras ocasiões, Fernando Henrique já conseguiu reverter baixas de popularidade quando ninguém acreditava que isso seria possível. Por que não conseguiria fazer isso novamente alavancando uma candidatura oficial apoiada por ele? A outra leitura leva em conta o momento atual. Falta apenas um ano e cinco meses para a eleição, e o Brasil ficará na penumbra (se não houver apagão) pelo menos até o início do ano que vem, a nove meses do pleito. Haverá, portanto, tempo suficiente para o governo reagir. Se a crise for debelada com sucesso, o que é altamente improvável, o governo poderá até sair da fase negra com uma imagem positiva – a de quem enfrenta diculdades com coragem e competência.

Nos três primeiros anos de governo, entre 1995 e 1997, a popularidade do presidente parecia guiar-se por uma espécie de metrônomo político. Atingia o patamar mais baixo invariavelmente nos meses de maio e junho e chegava ao máximo sempre entre os meses de setembro e dezembro. Tudo mudou em 1998, especificamente no segundo semestre, instante em que duas crises se misturaram: uma externa, a da moratória russa, e outra doméstica, a pressão pela desvalorização do câmbio, como forma de impedir que a moeda estrangeira fugisse do Brasil. Havia ainda a campanha da reeleição. A conseqüência foi uma queda expressiva da popularidade de FHC. Quando o presidente chegou ao fundo do poço, em setembro de 1999, sua taxa de avaliação negativa bateu em 65 pontos, contra 8 de avaliação positiva. Era, portanto, um momento muito pior para FHC do que hoje. O futuro próximo dirá se os atuais índices cairão ainda mais ou não. Se começarem os apagões, a tendência é de queda a uma profundidade ainda impossível de vislumbrar.

Na mesma semana em que cancelou durante dois dias consecutivos as entrevistas diárias que costumam ocorrer no Palácio do Planalto, o presidente passou por grande constrangimento ao comparecer à posse do novo presidente do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello. FHC assistiu à transformação da solenidade num ato de protesto contra seu governo. Do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Rubens Approbato, vieram os ataques mais duros. Ele listou dez críticas ao governo, entre elas a exigência de investigação para as denúncias de corrupção, o uso abusivo de medidas provisórias e "o terror das incertezas provocadas por ameaçadores apagões". Approbato é um crítico permanente do governo, quer as coisas andem bem ou andem mal. Mas o fato de ter recebido palanque numa cerimônia do Supremo, à qual compareceria o chefe de governo, é sintomático. Seu discurso, para constrangimento de FHC, foi interrompido algumas vezes por aplausos. A platéia era formada por advogados, juízes e parentes de ministros.

Em qualquer país do mundo, a popularidade de um governante é um instrumento de trabalho que serve não só a ele, mas também à sociedade. A experiência mostra que apenas um presidente popular consegue aprovar no Parlamento as medidas prometidas em campanha. Ou seja, a relação entre o eleitor e o presidente é um sistema de mão dupla. De um lado, a opinião pública dá ao governante a sustentação de que ele precisa para enfrentar resistências no Congresso. No outro sentido, o governante se fortalece para aprovar as leis de interesse do eleitorado. O presidente Fernando Henrique conhece bem o sucesso e o fracasso desse modelo. No primeiro mandato, extremamente popular, aprovou um pacote abrangente de reformas – incluindo a bem-sucedida privatização do sistema Telebrás. No segundo mandato, com um índice de aprovação mais baixo, o programa de reformas emperrou. A popularidade é decisiva na relação de barganha com os deputados e senadores. Presidentes populares não precisam abrir o caixa para liberar verbas e não necessitam lotear o governo para atender a interesses partidários confessáveis e outros nem tanto. "O presidente precisa cultivar o apoio popular para usá-lo como pressão sobre sua base de sustentação política", afirma o cientista político Sérgio Abranches.

As pesquisas mostram que a popularidade dos governantes sofre abalos em duas situações: nas crises políticas e nas crises econômicas. Quando a crise se restringe ao microcosmo de Brasília, a imagem do presidente pode ser arranhada, mas de leve. Nas crises econômicas, o governo desce ao purgatório – ou mesmo ao inferno. É o que está acontecendo agora. Numa crise que afeta mais fortemente outros políticos de Brasília, como as denúncias de desvio de verbas na Sudam e na Sudene e a quebra do sigilo do painel do Senado, a popularidade do presidente só fez subir. Em março, chegou ao auge em comparação a avaliações anteriores durante todo o segundo mandato. Bastou aparecer a crise energética, e com ela a ameaça de desemprego e recessão, para o ânimo do eleitor mudar. A preocupação da sociedade com sua estabilidade econômica é tão determinante que um levantamento do instituto Latinobarómetro mostra que 50% da população da América Latina concorda em abrir mão da democracia em troca de desenvolvimento e progresso.

Nos Estados Unidos e nos países ricos da Europa, a popularidade dos governantes é levada mais a sério que muitas outras questões de maior importância para cada nação. Mesmo contrariando interesses muito fortes no Congresso, o presidente George Bush conseguiu aprovar seu polêmico projeto de redução de impostos para os próximos dez anos, proeza que os analistas atribuem à aprovação popular de que desfruta quase todo governante que acabou de assumir e ainda não teve tempo de frustrar as esperanças dos eleitores. Mas é raro achar no Primeiro Mundo presidentes cuja popularidade sofra do efeito gangorra, comum no Brasil e na América Latina. A popularidade do presidente Bill Clinton variou no máximo 15 pontos entre seu melhor e seu pior momento. No caso de José María Aznar, primeiro-ministro espanhol, a variação entre o momento de baixa e o de alta ronda a casa dos 12 pontos. O motivo é claro: as ações desses governantes dificilmente produzem grandes surpresas. Nesses países, a democracia é mais sedimentada, os partidos votam como se espera que votem, o orçamento não é peça de ficção e as promessas de campanha costumam ser perseguidas. O eleitorado acaba julgando o desempenho dos governantes com base em uma média de erros e acertos.

Na opinião dos estudiosos, é natural que as pessoas sejam especialmente severas na avaliação que fazem sobre o governo Fernando Henrique. Em primeiro lugar, porque deram a ele o que não deram a presidente algum. Dos 33 presidentes da vida republicana brasileira, ele foi o primeiro a ser reeleito. Ao assumir o segundo mandato, FHC perdeu o direito de recorrer às desculpas clássicas dos recém-chegados. Ele não podia dizer que o antecessor deixara crises no armário. Não podia argumentar que precisava de tempo para se informar sobre os problemas. Não podia ainda alegar que o tempo de um mandato, quatro anos, é curto para resolver tudo. Há outro aspecto a considerar. Muitas vezes, a impressão que as pessoas têm é mais forte que os fatos objetivos que elas observam. Isso interfere muito na popularidade de um presidente. Um exemplo são as freqüentes denúncias de corrupção, dando a alguns a impressão de que o atual governo estaria mergulhado num mar de lama. Como ainda não inventaram o corruptômetro para comparar desonestidades, vale a impressão de quem estuda o problema. E ela pode ser resumida na frase do ex-ministro Mailson da Nóbrega: "Esse governo é menos corrupto que os outros. A corrupção aparece mais porque está sendo combatida".

Como tudo neste mundo, a fase de racionamento de energia tem um lado positivo. As pessoas deixavam várias luzes acesas no mesmo cômodo, levavam meia hora no banho quente, dormiam com a televisão ligada. Pode-se ter certeza de que a atenção para o desperdício foi levantada de forma aguda. Acredita-se que antes mesmo do final desta crise de energia, seja lá quando for, o país terá adquirido hábitos responsáveis para evitar desperdícios não apenas de energia. Calcula-se que em São Paulo cerca de 40% da água tratada vaze pelas tubulações e não chegue aos consumidores. Em Cuiabá esse índice alcança 53%. De acordo com um levantamento feito pelo Ministério da Agricultura, o desperdício na produção de grãos (incluindo colheita, transporte e armazenamento) gira ao redor dos 25%. "Na Europa os conceitos da população foram mudados à base de guerra", diz o historiador Luiz Felipe de Alencastro. "Por sorte o Brasil aprende as lições de forma bem menos dolorosa."



A CRONOLOGIA DOS ALERTAS
Não foi por falta de aviso. Houve muitos. Foi por imprevidência mesmo – e crença na salvação das chuvas. Abaixo, alguns dos alertas recebidos por dezenas de autoridades do governo:
 Setembro de 1995 – A Eletrobrás alerta o ministro das Minas e Energia, Raimundo Brito, para o risco de racionamento de energia em 2001-2003 e estima que, nesse período, o consumo terá de cair 10%.
 Maio de 1996 – A Eletrobrás alerta o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, o secretário Andrea Calabi (Planejamento) e os secretários José Roberto Mendonça de Barros e Pedro Parente (Fazenda) sobre a gravidade da crise. Em documento de 38 páginas, lista medidas emergenciais e prevê racionamento para o período 1998-1999.
 Junho de 1997 – Num encontro em Belo Horizonte, técnicos das distribuidoras de energia alertam para o risco iminente de blecautes em Minas Gerais, Pernambuco, Bahia, Sergipe e Alagoas.
 Janeiro de 1999 – Depois de o Rio Grande do Sul ter sofrido 31 cortes de energia, a secretária estadual de Minas e Energia, Dilma Vana Rousseff, viaja a Brasília e alerta autoridades do setor elétrico de que o problema gaúcho se estenderá ao país caso não se invista em geração e transmissão.
 Março de 1999 – Dias depois do maior apagão da história do país, o físico Luiz Pinguelli Rosa, da Universidade Federal do Rio, avisa, em reunião no Senado, que o blecaute é sinal da vulnerabilidade do sistema de transmissão e da falta de investimentos no setor energético. Estão presentes Rodolpho Tourinho (ministro das Minas e Energia), Mário Santos (do Operador Nacional do Sistema Elétrico, ONS), além dos presidentes de Furnas e Eletrobrás.
 Abril de 2000 – Em reunião com a cúpula do ONS, o presidente da estatal energética gaúcha, Vicente Rauber, propõe um plano imediato de racionamento de energia no país. A proposta é rejeitada.
 Setembro de 2000 – Horácio Lafer Piva, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), divulga uma "mensagem de alerta à indústria" prenunciando escassez de energia no Estado.
 Outubro de 2000 – Num seminário em Brasília, Luis Carlos Guimarães, diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, alerta que o país está à beira de um colapso energético. Estão presentes técnicos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
 Dezembro de 2000 – O ONS entrega ao ministro Rodolpho Tourinho e ao diretor-geral da Aneel, José Mário Abdo, um relatório informando que o nível dos reservatórios de água das represas está razoável.
 12 de março de 2001 – O ONS entrega novo relatório à Aneel e ao secretário executivo das Minas e Energia, Hélio Vitor Ramos, traçando, desta vez, um quadro sombrio do nível dos reservatórios de água das represas por causa da falta de chuvas.
 20 de março de 2001 – O ONS informa o novo ministro das Minas e Energia, José Jorge, sobre a gravidade da situação. Três dias depois, no Palácio da Alvorada, FHC reúne-se com a equipe econômica e membros do setor elétrico para tratar do tema. À espera de chuva em abril, descartam o racionamento.
 25 de abril de 2001 – Sem as chuvas esperadas, o ONS pede oficialmente ao ministro José Jorge, das Minas e Energia, que deflagre um processo de racionamento.
 8 de maio de 2001 – O governo propõe as primeiras medidas de redução do consumo. Dois dias depois, FHC mostra espanto com a gravidade do problema e com o desencontro de informações dentro do governo. Decide criar um comitê para enfrentar a crise e coordenar o racionamento.
















O Supremo e a vida real


O STF concorda que é impossível

legislar sobre as chuvas e declara

o racionamento constitucional
Cley Scholz

Claudio Alves/Assessoria de imprensa
Os ministros do STF: o mal seria ainda maior sem o controle do consumo
Na última quinta-feira, depois de um longo suspense, o Supremo Tribunal Federal aprovou de alto a baixo as medidas tomadas pelo governo para implantar o racionamento de energia elétrica. Estão de acordo com a Constituição, segundo os magistrados, tanto a limitação do consumo quanto a multa para quem a ultrapassar e o corte temporário de fornecimento para quem reincidir. Foi uma decisão jurídica, como todas as outras do Supremo, mas essa teve uma marca especial de bom senso. Na discussão do tema, ficou claro que a maioria dos juízes considerou tanto a necessidade de o país poupar eletricidade quanto a impossibilidade, ditada pela natureza, de agir de outra maneira. Em suma, pesaram na decisão o nível de água existente nas represas, a incerteza quanto às chuvas e a desmoralização do controle energético que aconteceria se o STF revogasse as medidas. Estava em julgamento uma medida cautelar contra o plano. "Se o tribunal deferir a cautelar, o povo não vai acreditar que deva levar isso a sério", votou o ministro Sydney Sanches. "Se disser que é inconstitucional, o povo não vai mais cumprir."
Entre os dez magistrados presentes, dois votaram pela inconstitucionalidade do racionamento: o relator do caso, ministro Néri da Silveira, e o presidente do STF, Marco Aurélio Mello. Eles se basearam na tese de que o poder público não pode interromper o fornecimento de serviços, mas os outros oito analisaram o caso por outros ângulos. Primeiro, não é o governo quem faz chover e, na prática, o que está faltando é água nas represas. Segundo, o racionamento é uma forma de disciplinar o consumo e garantir que, na escassez, todos tenham uma redução proporcional do serviço e possam tentar livrar-se do mal maior, que seria o apagão. O plano de controle de energia incomoda a todos equilibradamente. Na ausência dele, quem tem mais poder econômico poderia manter o alto consumo. Quando a energia acabasse, esses ficariam iluminados por geradores enquanto a maior parte da população estaria no escuro. Independentemente da discussão que havia no STF na semana passada, os brasileiros já tinham demonstrado numericamente sua adesão ao controle do consumo de energia.
Arq. pessoal Gean Ribeiro do Vale
Fernando Vivas
Duas fotos do mesmo local em Sobradinho: a represa cheia e o resultado da seca
Nos primeiros trinta dias da mobilização nacional contra as trevas, os brasileiros pouparam 4.175 gigawatts, o equivalente ao consumo de um país como o Peru. A água economizada nos reservatórios somou 112,7 bilhões de metros cúbicos, um volume que daria para encher quatro vezes a Represa de Itaipu. O ritmo de redução no nível dos lagos das hidrelétricas do Sudeste, que até maio era de 1% a cada quatro dias, mudou drasticamente. Em trinta dias, foi de apenas 1,2%. Os fabricantes de lâmpadas fluorescentes compactas venderam cerca de 10 milhões de unidades desde as primeiras notícias sobre o risco do apagão. O resultado líquido desse esforço, anunciado pelo ministro-chefe da Casa Civil, Pedro Parente, presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica, é que a água acumulada nas represas de toda a região afetada é suficiente para quatro semanas de geração de energia elétrica. Parece pouco, mas quando a crise começou não havia nem mesmo um prognóstico quanto à duração das reservas. Só São Pedro não tem feito nenhum esforço para melhorar o quadro energético. A média histórica de chuvas na Região Sudeste é de 22 milímetros nesta época. Neste ano, choveu menos de um quarto disso.
Do lado do governo, houve uma medida de impacto imediato – a de reduzir a tensão elétrica em 5% para poupar mais 2% de energia – e o apressamento de ações de médio e longo prazo. O BNDES vai liberar financiamentos de 775 milhões de reais para a construção de quatro usinas termoelétricas a gás natural e foram aceleradas as obras de construção da linha de transmissão entre a Usina de Tucuruí, na Região Norte, e o Nordeste. Quando ela estiver pronta, em um mês, o Norte também entra no racionamento e o excedente de energia irá para o Nordeste. No rol de medidas mais recentes, aproveitou-se para remendar equívocos, como o racionamento que se exigia também da indústria de cabos elétricos – justamente a que tem de produzir linhas de transmissão que podem ajudar a melhorar a distribuição de eletricidade. Em São Paulo, há uma discussão difícil sobre o fechamento de um canal da Hidrovia Tietê–Paraná. Fechando o sistema, com uma barragem de terra de mais de 100 metros, ganham-se 500 megawatts, mas se pode produzir um prejuízo de 500 milhões de reais, segundo os transportadores de produtos agrícolas.

Fernando Vivas
Abaixo do nível crítico: chuvas estão aquém da média histórica

Outro nó do racionamento, bem mais caro, é a discussão entre geradoras e distribuidoras de energia sobre quem vai ficar com a conta da diminuição de receita decorrente de um consumo 20% menor. Estima-se que o setor deixe de movimentar mais de 3 bilhões de reais. Há um mês, as distribuidoras, agora controladas por empresas privadas, sugeriram que a fatura fosse paga pelas geradoras, a maioria ainda estatais, e repassada ao consumidor. Isso daria um aumento de 15% nas contas de luz. "Essa sugestão faz parte de um estudo preliminar que entregamos à análise da câmara de gestão do racionamento", diz o presidente da associação das distribuidoras, Orlando González. Uma despesa dessa ordem é praticamente do mesmo tamanho que a verba que o governo decidiu empenhar para o novo programa relacionado à seca nordestina.
Esse fenômeno é o lado mais perverso da mesma estiagem que afeta a produção de energia. Trata-se da pior seca dos últimos setenta anos. Pela primeira vez, ao lado das ações emergenciais, o governo está anunciando um plano que permitirá, no futuro, que a população das áreas atingidas tenha um seguro que as socorra automaticamente nos anos de estiagem. A idéia é evitar que a falta de água signifique, além de falta de energia, também falta de comida na região.

GERAR ENERGIA VIROU UM GRANDE NEGÓCIO
Nos últimos anos, o governo de São Paulo, dono do filé mignon energético nacional, fez uma ginástica pesada para privatizar empresas geradoras de eletricidade – e não conseguiu vender tudo que foi oferecido ao mercado. O conjunto de geração da empresa Cesp Paraná, por exemplo, foi a leilão por duas vezes e, pela falta de concorrentes, continua sendo estatal. Na semana passada, o governo federal fez um leilão de concessão para a construção de oito usinas hidrelétricas e o que se viu foi uma estupenda mudança naquele cenário de desinteresse dos investidores. Pretendia-se obter o preço mínimo de 241,63 milhões de reais das empresas que se dispusessem a fazer as obras em seis Estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Foi obtido um pacote de lances que chegou a 2,5 bilhões de reais, mais de dez vezes o valor mínimo. Só no caso da usina a ser construída na Serra do Facão, no Rio São Marcos, em Goiás, o ágio pago pelos interessados ultrapassou a casa dos 3 000%.
Esse dinheiro, a ser desembolsado em trinta anos, paga apenas o direito que as empresas adquiriram de construir as usinas. Agora, elas terão de gastar em torno de 3,5 bilhões de reais para fazer as obras e deverão desembolsar 20 milhões de reais por ano em royalties para os Estados. Juntas, vão acrescentar ao sistema nacional 2 282 megawatts. Isso é menos de 5% do que o país gera, mas o sucesso desse leilão dá uma idéia de quanto ainda se pode obter com outros pacotes de concessão. Até o final do ano mais nove concessões serão leiloadas, para obter outros 2 162 megawatts com um pacote de obras estimado em 3,9 bilhões de reais.

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