TRAVESSEIRO SUSPENSO POR FIOS DE NYLON

quarta-feira, 8 de junho de 2011

De olho na História - Crimes da Ditadura no Brasil

ESQUECER  JAMAIS....


"O Dia que Durou 21 anos" 

Documentário sobre a orquestração do golpe de Estado de 1964

pelos EUA junto a setores militares, civis e governamentais
 no Brasil
ESCRITO PELO JORNALISTA FLÁVIO TAVARES
TV BRASIL

A Ditadura Militar no Brasil (1964-1985)

Durante muitos anos nosso povo foi humilhado pelas autoridades, mas graças a esperança de termos um país melhor, conseguimos dar a volta por cima e reestabelecer a democracia.
http://wn.com/Ditadura_Militar_no_Brasil__1964__1985_


Este vídeo tem apenas cenas reais, de época, do período da ditadura no Brasil. São cenas muito fortes, tristes...  Esta música de Vandré virou o "hino nacional" dos brasileiros que tinham consciência (mas nunca sabiam efetivamente o que ocorria no país). A grande maioria do povo não tinha consciência do que ocorria, apenas sabiam que "esse é um país que vai pra frente, ououououou..."; ou "... milhões em ação, pra frente Brasil, salve a Seleção" (de futebol)


Massacres de indígenas devem ser investigados

publicada quinta-feira, 14/06/2012 às 11:02 e atualizada quinta-feira, 14/06/2012 às 11:36


Comissão da Verdade admite apurar crimes contra indígenas durante ditadura

Por Tadeu Breda, da Rede Brasil Atual

A Associação de Juízes para a Democracia (AJD), o Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e a Comissão Nacional Justiça e Paz, ligada à igreja católica, foram recebidos ontem (12) pelos integrantes da Comissão Nacional da Verdade, que investiga os crimes cometidos pelo Estado brasileiro entre 1946 e 1988, e pediram a seus membros que se dediquem a elucidar as violações aos direitos humanos cometidas contras as populações indígenas durante a ditadura.

O encontro foi realizado na capital paulista e durou cerca de uma hora e meia. “Expusemos a necessidade histórica de desvendar os abusos praticados contra os povos originários”, relata Keranik Boujikian, membro do conselho executivo da AJD. Segundo a juíza, os três membros da comissão presentes ao encontro (Paulo Sérgio Pinheiro, Rosa Maria Cardoso da Cunha e José Carlos Dias) mostraram-se sensíveis ao pedido. “Mas ainda não estabeleceram uma metodologia de trabalho”, ressalva.

“Por que analisar apenas os mortos e desaparecidos políticos?”, questiona Marcelo Zelic, vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais São Paulo, que apresentou à comissão os resultados preliminares de uma pesquisa que analisa todos os 4,3 mil discursos proferidos no Congresso Nacional entre 1946 e 1985 com a palavra ‘índio’ e os 1,527 mil que ostentam, juntos, os termos ‘índio’ e ‘massacre’.


“Só no povo waimiri-atroari, que enfrentou a construção da rodovia BR-174, morreram mais de dois mil indígenas”, lembra Zelic. “Informações do antropólogo Darcy Ribeiro, que aparecem em alguns discursos de parlamentares, dizem que em 1964 existiam mais de 6,4 mil yanomamis na Amazônia. Em 1979, sobraram apenas 640.” O vice-presidente do Tortura Nunca Mais São Paulo explica que as políticas de extermínio foram conduzidas por setores ligados à exploração de recursos minerais interessados em ocupar a terra dos índios.
Subcomissões

“Nossa prioridade, porém, são os casos de tortura, mortos e desaparecidos políticos”, pondera Rose Nogueira, presidente do Tortura Nunca Mais de São Paulo, ela mesma uma das pessoas que sofreram nos porões da ditadura. “Ainda assim, acreditamos que, se algumas subcomissões temáticas forem constituídas, a Comissão da Verdade vai encontrar um monte de coisa que nem imagina.” Além dos abusos cometidos contra os índios, Rose sugere a criação de pequenos grupos para averiguar especificamente a censura sobre a imprensa e as artes.

“Privar a população do acesso à cultura e informação é uma violação grave dos direitos humanos, e a comissão deverá se dedicar a esses temas”, propõe. No que depender do Tortura Nunca Mais de São Paulo, até mesmo a política econômica da ditadura será devassada. “Temos de elucidar melhor os impactos da inflação e da dívida externa que assolaram o país durante o regime. Quanta gente morreu de fome, perdeu a casa e amargou a miséria por causa das decisões do governo? Foi criminoso.”

Documentos

A reunião de ontem também informou à Comissão da Verdade sobre em que pé anda a digitalização do acervo do Projeto Brasil Nunca Mais. São 710 processos judiciais recuperados por advogados e defensores dos direitos humanos nos arquivos do Superior Tribunal Militar (STM) a partir de 1979, e que em 1985 deram origem ao relatório Brasil Nunca Mais sobre a repressão política no país durante a ditadura. Na época, a compilação do material foi encabeçada pelos religiosos dom Paulo Evaristo Arns, rabino Henry Sobel e reverendo James Wright.
“Já temos 702 processos judiciais digitalizados, desde o inquérito policial até a sentença dos tribunais”, explica Rose Nogueira. Esse trabalho foi realizado na Universidade de Chicago, onde os microfilmes dos documentos ficaram protegidos até o ano passado por iniciativa de pastores protestantes estadunidenses. “Os oito processos restantes já começaram a ser escaneados na Universidade de Campinas (Unicamp)”, diz Marcelo Zelic.

Aos processos judiciais serão adicionadas as cerca de três mil páginas dos documentos de Genebra: correspondências trocadas entre dom Paulo e o Conselho Mundial de Igrejas, sediado na cidade suíça, sobre a situação dos direitos humanos no Brasil durante o regime. Além disso, o acervo contará ainda com os arquivos sigilosos do arcebispo emérito de São Paulo. “São cartas que chegavam à Cúria denunciando casos de tortura, sequestro e desaparecimento”, resgata Zelic. “Muitos deles foram escritos por presos políticos e vazaram clandestinamente. São inéditos.”

Tudo será colocado à disposição dos membros da Comissão da Verdade, com mecanismo de busca eletrônica para facilitar a localização de nomes, datas e localidades. Segundo o vice-presidente do Tortura Nunca Mais, o grupo demonstrou grande interesse pelo projeto: ofereceram-se inclusive a verificar a probabilidade de conseguir um escâner de alta tecnologia para acelerar a digitalização dos documentos. “No ritmo atual, devemos disponibilizar os arquivos em março de 2013”, diz Zelic. “Com novos equipamentos, poderemos abreviar o processo.”


"Volte às pantufas, general Leônidas!"

publicado em 5 de junho de 2012 às 12:02

por Luiz Claudio Cunha - jornalista, em Sul21, via Quem tem medo da democracia?, sugerido por Silvio de Barros Pinheiro


Aos 91 anos, o general Leônidas Pires Gonçalves, oficial da artilharia e ministro do Exército do Governo Sarney, recrudesceu: tirou o pijama, trocou a pantufa pelo coturno, armou o canhão, mirou a presidente Dilma Rousseff e bombardeou a Comissão da Verdade. Tudo isso numa entrevista à repórter Tânia Monteiro, de O Estado de S.Paulo(18 de maio), que funcionou como fogo de barragem para os velhos companheiros de farda envolvidos com a repressão, a tortura e o desaparecimento de presos durante a ditadura ardorosamente defendida pelo general quase centenário. É a voz militar mais graduada a contestar a determinação presidencial de investigar a verdade e é a opinião mais desastrada no coro cada vez mais idoso de velhos radicais que ainda respiram o ar saturado da Guerra Fria.
Leônidas defendeu o Exército (“sumariamente julgado e punido”), os militares (“injustiçados”), o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim (“ele se colocava”) e atacou a presidente da República (“deveria ter a modéstia de esquecer o passado e  olhar para a frente”), a Comissão da Verdade (“uma moeda falsa, que só tem um lado”) e os que clamam pelo fim da impunidade aos torturadores (“é impossível mexer na Lei da Anistia, fruto de um acordo no passado e que foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal”).
A bomba mais explosiva ficou para a resposta final, em tom de ameaça: “Se quiserem fazer pressão no Supremo, o Poder Moderador tem que entrar em atuação no país”. O general não fazia, aqui, uma menção nostálgica à bonomia dos monarcas da Casa de Bragança, que ocupou no Império brasileiro a posição de árbitro entre os poderes para dar estabilidade política à nação durante 67 anos, até o advento da República.  Leônidas não clamava pelo império da moderação, mas brandia a ameaça da república da repressão, que quebrou a ordem constitucional em 1964 e impôs a anarquia ilegal da ditadura militar durante 21 anos de treva.
Exercício do cinismo
Um regime que teve muito poder e, como bem sabe o general Leônidas, nada teve de moderador. Fechou o Congresso três vezes, prendeu, torturou, sequestrou e matou milhares de opositores, violou a soberania da universidade e a independência dos tribunais, cassou mandatos políticos e  aposentou professores, baniu e exilou opositores, fechou sindicatos e calou sindicalistas, amordaçou a imprensa e sufocou as artes, impôs o medo e jogou o país no porão de uma longa e nada branda ditadura de duas décadas, uma das mais sangrentas do Cone Sul do continente. O nostálgico general Leônidas agora quer repetir tudo aquilo, outra vez, sob o pretexto de  ‘proteger’ o Supremo? Conta outra, general!…
A memória seletiva e precária do general esquece que a Lei da Anistia, ao contrário do que ele diz, não foi “fruto de um acordo”. Passou apertado, raspando, por apenas cinco votos (206 a 201) num Congresso dominado pelo partido da ditadura, a Arena, que mantinha sua maioria a ferro e fogo, à custa das cassações de mandatos e da violência do AI-5, para controlar o irrefreável crescimento da legenda da oposição, o MDB.
A lei foi votada e formatada sob o arbítrio do general Figueiredo, em agosto de 1979, seis anos antes da queda do regime, num texto lapidado cuidadosamente pelos comandantes militares para acomodar uma esdrúxula invenção jurídica: o “crime conexo de sangue”, vil esperteza dos quartéis para equiparar torturados e torturadores com a mesma anistia — indiscriminada, desigual e injusta. Uma anistia costurada sob o molde caviloso da repressão para estender o espesso manto da impunidade sobre os crimes de quem nunca foi acusado, julgado, processado e condenado.
Com o cinismo que a idade avançada não desbotou, o general Leônidas tenta justificar os abusos de seus velhos companheiros de farda e truculência: “O soldado é um cidadão de uniforme para o exercício cívico da violência”, disse em entrevista a Geneton Moraes Neto da Globo News, sem explicar onde escavou este sofisticado raciocínio que nivela todos os exércitos pela vala comum do arbítrio. O general ignora os exemplos na História de forças armadas que se mobilizaram, em momentos cruciais, pela preservação de valores perenes da democracia e da civilização.
Fã clube do Reich
Um exército, esquece o cínico Leônidas, pode ser a reunião de homens fardados que lutam pelo exercício da liberdade contra o nazifascismo. Pode, por exemplo, ser a força armada que se levanta em defesa da Constituição, como fez o III Exército ao cerrar fileiras com o governador Leonel Brizola e o povo gaúcho na Campanha da Legalidade de 1961. Pode também se alçar pela afirmação da autoridade constitucional do presidente, como fez o marechal Henrique Lott para sufocar a quartelada golpista de 1955 que tentava bloquear a posse de Juscelino Kubitschek.  O general Leônidas, aparentemente, devia ser na sua tenra  juventude um cidadão fardado que se imaginava autorizado ao exercício cívico da violência contra a ordem constitucional e os direitos fundamentais da pessoa humana. Faz sentido.
Leônidas Pires Gonçalves perdeu a chance de ser um dos heróis brasileiros da luta da Força Expedicionária Brasileira contra o III Reich, na campanha na Segunda Guerra Mundial, simplesmente porque estava do lado errado. Aos 23 anos, foi alijado da FEB porque teve o azar de ser, na época, ajudante de ordens do coronel Álcio Souto, um notório simpatizante da Alemanha que o Brasil combateria, com seus pracinhas, na frente de batalha da Itália.
No livro A Ditadura Derrotada, o jornalista Elio Gaspari conta que Souto, então comandante da Escola Militar do Realengo e chefe de Leônidas, costumava levar seus cadetes nos primeiros anos da guerra a um cinema do subúrbio carioca onde o adido militar da embaixada de Adolf Hitler costumava exibir filmes sobre os avanços avassaladores da blitzkrieg da Reich alemão. O filho Alvir, general reformado, negou tempos atrás estas empolgadas matinês, dizendo que o pai não era nazista: “Ele não admirava o Reich, mas sim o Exército alemão”, justificou, como se fosse possível separar uma coisa e outra.
Geisel e seu ídolo
O filonazismo verde-amarelo não era uma exclusividade do comandante do então tenente Leônidas, mas era extensivo aos chefes supremos do regime do Estado Novo, que se espelhava na pátria da Wehrmacht hitlerista. O major de artilharia Affonso Henrique de Miranda Corrêa, o segundo homem de Filinto Muller na chefia de polícia da ditadura de Getúlio Vargas, foi mandado à Alemanha para um estágio de um ano na Gestapo, onde acabou condecorado por seu chefe, Heinrich Himmler, o mentor da ‘solução final’ dos campos de concentração. Os dois maiores líderes militares do país, os generais Eurico Gaspar Dutra (ministro da Guerra) e Góis Monteiro (chefe do Estado Maior do Exército), não escondiam sua admiração pelo Reich.
Dutra comemorou a queda de Paris sob o tacão nazista com uma festa em sua casa. Meses antes, Góis Monteiro fazia as malas para chefiar uma comitiva de oficiais que viajaria a Berlim para conhecer a “gigantesca obra de reconstrução nacional” da Alemanha quando o embarque foi abortado. As divisões Panzer de Hitler acabavam de cruzar a fronteira da Polônia, dando início à Segunda Grande Guerra. Um dos oficiais da comitiva que perdeu a instrutiva viagem foi um capitão chamado Ernesto Geisel, que se confessava um admirador do líder fascista italiano Benito Mussolini. No Brasil, a afeição de Geisel era reservada ao chefe de Leônidas, coronel Álcio Souto, que chegou ao generalato como chefe do gabinete militar do presidente Dutra, o simpatizante nazista que se rejubilou com o desfile das tropas hitleristas sob o Arco do Triunfo parisiense.
Susto e chocolate
Foi neste festivo entorno nacional-socialista que o futuro cidadão de uniforme Leônidas Pires Gonçalves forjou o seu cívico espírito da violência. “Na hora de dar chocolate, não se dá tiro. E, na hora de dar tiro, não se dá chocolate”, filosofou o general Leônidas na Globo News. Debochado, o ex-ministro do Exército desdenha das vítimas da repressão: “Quem começa guerra não pode lamentar morte”.  Ironiza as denúncias (“Hoje todo mundo diz que foi torturado para receber a bolsa-ditadura”) e duvida do assassinato do jornalista Vladimir Herzog sob torturas no DOI-CODI de São Paulo, em 1975: “Eu não tenho convicção de que Herzog tenha sido morto… um homem não preparado e assustado faz qualquer coisa. Até se mata”, explicou a Geneton Moraes Neto.
O Leônidas que bate em Dilma e na Comissão da Verdade com espartana disciplina desenvolveu a exótica teoria de que os maiores líderes do regime deposto — Jango, Brizola, Prestes, Arraes — não foram exilados. “Eles saíram do Brasil porque quiseram. Eram fugitivos”, zombou o general, que tem a absurda certeza dos justos no regime injusto da ditadura: “Nós nunca prendemos ninguém que não tenha feito nada. De todas as pessoas presas, ninguém era inocente. Todos eles tinham alguma coisa que estavam cometendo de errado”. Na lógica cartesiana de Leônidas, a simples prisão já era, por si só, a condenação, líquida e certa. Os ídolos nazistas dos velhos comandantes de Leônidas ficariam orgulhosos do provecto general, ainda rijo na sua pétrea subordinação ao autoritarismo.
Desafio aos desaparecidos
Durante quase três anos da fase mais turbulenta da ditadura, de abril de 1974 a fevereiro de 1977, Leônidas foi o chefe do Estado-Maior do I Exército, sediado no Rio de Janeiro. Como tal, era o comandante imediato do DOI-CODI baseado no quartel da Polícia do Exército na afamada rua Barão de Mesquita, um dos endereços mais sinistros da repressão no Brasil.
Quando o quartel general do I Exército esteve sob o comando do general linha-dura Sylvio Frota,  entre julho de 1972 e março de 1974, conforme apurou o jornal O Globo, o DOI-CODI carioca era um centro de morte. Naquele espaço de 21 meses, contou o jornal, morreram 29 presos nas suas masmorras, então sob a administração do notório major Adyr Fiuza de Castro, um dos radicais mais temidos do regime. Pois bastou que ele chegasse ali em abril de 1974, diz o general Leônidas, e a paz celestial dos anjos se instalou naquele antro de terror e violência. “Não houve tortura na minha área”, jurou ele na Globo News. Na semana passada, n’O Estado de S.Paulo, o general voltou a desafiar: “Nunca apareceu nada, nem ninguém, que tivesse alegado ter sido torturado. Eu já desafiei que alguém se apresentasse na TV e nunca apareceu nada”.
Não apareceu, talvez, porque os desaparecidos jamais reapareciam, naqueles tempos amargos em que não se dava chocolate na hora de dar tiro. De acordo com o Dossiê Ditadura — Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil 1964-1985, publicado em 2009, a lista oficial de 138 desaparecidos políticos no país registra 31 nomes que se evaporaram no Rio de Janeiro entre 1970 e 1978. Desses, seis desapareceram justamente nos anos de 1974 e 1975, quando o DOI-CODI do Rio, que coordenava a repressão na área, estava sob o comando direto do general Leônidas. Integram a lista Armando Teixeira Frutuoso, Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, Jayme Amorim Miranda, Orlando da Silva Rosa Bonfim Júnior, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto e Eduardo Collier Filho, que jamais poderão desmentir o general porque estão irremediavelmente desaparecidos.
Morte no entorno do general
Sabe-se agora o destino final de apenas um deles: o jovem pernambucano Eduardo Collier Filho, 25 anos, foi preso pelo DOI-CODI carioca em 23 de fevereiro de 1974, dois meses antes da providencial chegada do general Leônidas ao Rio, e acabou tempos depois virando cinzas num forno de uma usina de açúcar de Campos, interior fluminense, usada pela repressão para eliminar vestígios dos desaparecidos. A confissão foi feita pelo ex-delegado do DOPS capixaba Cláudio Guerra, que acaba de lançar Memórias de Uma Guerra Suja,  um livro devastador sobreas atrocidades do regime que dava pouco chocolate e muito tiro.
Outros seis militantes da esquerda, da lista carioca de 31 desaparecidos, sumiram em 1973, um ano antes de Leônidas desembarcar no DOI-CODI do Rio.  Entre eles, Caiupy Alves de Castro, Ramires Maranhão do Vale, Umberto Albuquerque Câmara Neto, Vitorino Alves Moitinho, Honestino Monteiro Guimarães — e o ex-major do Exército Joaquim Pires Cerveira, 50 anos, sequestrado em Buenos Aires pela ‘Operação Condor’ e trazido ao Brasil clandestinamente pelo delegado Sérgio Fleury, do DOPS paulista. Cerveira foi visto no DOI-CODI da Barão de Mesquita, duramente torturado, e acabou também incinerado no forno da usina, conforme denúncia do delegado Guerra.
No ano da graça de 1971, sumiram outros 10 militantes da lista de 31 desaparecidos do Rio, incluindo o deputado Rubens Paiva e Stuart Edgar Angel Jones, 26 anos, filho da estilista Zuzu Angel. Ela passou os cinco anos seguintes denunciando ao mundo a responsabilidade direta da ditadura brasileira na tortura e morte do jovem. Fez isso, incansável, até a estranha madrugada de abril de 1976 em que o carro que dirigia, um Karmann-Ghia, capotou no túnel Dois Irmãos e despencou na ladeira da Estrada da Gávea, morrendo na hora — um acidente forjado pelo DOI-CODI carioca do achocolatado general Leônidas, conforme denúncia do ex-delegado Cláudio Guerra. Uma semana antes do acidente, Zuzu deixara na casa do compositor Chico Buarque de Holanda um documento em que escreveu:. “Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.
A nostalgia de 1964
Quando essas coisas sinistras aconteceram, o general Leônidas era o chefe imediato da central de repressão mais ativa e bem informada do Rio de Janeiro. Mas as cenas estranhas que atormentavam a cidade e a alma brasileira pareciam não dizer respeito ao chefe do Estado-Maior a que se subordinava o DOI-CODI, que o general Leônidas garantia estar subitamente domado em sua pacífica administração. Os desaparecimentos que teimavam em acontecer nas redondezas e nos porões, aparentemente, não quebravam a imaculada mansidão de seu comando: “Desafio, desafiei lá e desafio agora alguém que tenha sido torturado, ou tenha sofrido qualquer restrição maior do que as técnicas nos prometiam, que era o isolamento”, repete Leônidas.
O general não nega, com a vaidade previsível, a responsabilidade direta pela chamada “Chacina da Lapa”, a morte da cúpula do PCdoB numa casa do bairro paulistano onde o partido se reunia em dezembro de 1976 para avaliar a guerrilha do Araguaia. A revelação nasceu no comando de Leônidas, que admitiu ter pago R$ 150 mil à filha de um ex-dirigente da organização, Manoel Jover Telles, para delatar o dia e o local do encontro. A operação de cerco e extermínio foi planejada na central de repressão da rua Barão de Mesquita pelo coronel Freddie Perdigão, chefe da Agência Rio do SNI e braço executor (lato sensu) do DOI-CODI, conforme denuncia o ex-delegado Guerra. “Pagamos aos presos para eles delatarem os outros”, explicou-se o general Leônidas, com a convicção do soldado dedicado ao exercício cívico da violência. Ele não se arrepende do que enfrentou: “Guerra é guerra”, disse na Globo News. “Guerra não tem nada de bonito — só a vitória. E nós tivemos. A vitória foi nossa. Porque este país caiu na democracia que nós queríamos”.
Agora, assustado com a aparição da Comissão da Verdade que ameaça dissecar a ‘democracia’ e o ciclo de violência em que caiu o país que queriam os militares em 1964, o general Leônidas ameaça resistir à pressão da verdade com o surrado tacape do ‘poder moderador’. Alguém precisa avisar ao veterano golpista dos idos de 64 que a democracia brasileira já não teme cara feia, nem se assusta com fantasmas do passado.
Mais consolador ainda seria ouvir dele um educado e cabal pedido de desculpas ao país pela grosseria. Na sua idade, o velho e imoderado chefe militar não merece nada mais do que um chocolate. Por favor, general Leônidas, volte às pantufas!
A lista dos 31 desaparecidos no Rio de Janeiro, segundo o Dossiê Ditadura — Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil 1964-1985, publicado em 2009:
Antônio Joaquim Machado, 31 anos, desaparecido em 1971
Armando Teixeira Frutuoso, 54, desaparecido em 30/8/1975
Boanerges de Souza Massa, 34, desaparecido em 1972
Caiupy Alves de Castro, 45, desaparecido em 21/11/1973
Carlos Alberto Soares de Freitas, 32, desaparecido em 1971
Celso Gilberto de Oliveira, 25, desaparecido em 10/12/1970
Eduardo Collier Filho, 26, desaparecido em 23/2/1974
Félix Escobar Sobrinho, 47, desaparecido em agosto de 1971
Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira, desaparecido em 1974
Heleny Telles Ferreira Guariba, 30, desaparecida em 1971
Honestino Monteiro Guimarães, 26, desaparecido em 1973
Ísis Dias de Oliveira, 30, desaparecida em 1972
Ivan Mota Dias, 28, desaparecido em 1971
Jayme Amorim Miranda, 48, desaparecido em 1975
Joaquim Pires Cerveira, 50, desaparecido em 1973
Joel Vasconcelos Santos, 23, desaparecido em 1971
Jorge Leal Gonçalves Pereira, 31, desaparecido em 1970
Mariano Joaquim da Silva, 41, desaparecido em 1971
Norberto Armando Habeger, 29, desaparecido em 1978
Orlando da Silva Rosa Bonfim Júnior, 60, desaparecido em 1975
Paulo César Botelho Massa, 26, desaparecido em 1972
Paulo Costa Ribeiro Bastos, 27, desaparecido em 1972
Paulo de Tarso Celestino da Silva, 27, desaparecido em 1971
Ramires Maranhão do Vale, 22, desaparecido em 1973
Rubens Beirodt Paiva, 41, desaparecido em 1971
Sérgio Landulfo Furtado, 21, desaparecido em 1972
Stuart Edgar Angel Jones, 26, desaparecido em 1971
Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto, 36, desaparecido em 1974
Umberto Albuquerque Câmara Neto, 26, desaparecido em 1973
Vitorino Alves Moitinho, 24, desaparecido em 1973
Walter Ribeiro Novaes, 31, desaparecido em 1971



PROGRAMA DOSSIÊ GLOBO NEWS

JORNALISTA - GENETON MORAES NETO

Ex-comandante do DOI-CODI general Leônidas Pires Gonçalves falou sobre
 os 25 anos do fim do regime militar e diz nessa entrevista histórica, que muitas pessoas se dizem torturadas para ganhar a Bolsa Ditadura e que ninguém foi preso injustamente durante o regime militar no Brasil. 
Ele não se arrepende de dizer que os exilados, como Fernando Henrique Cardoso, 
são na verdade fugitivos.













NOTA DO COMITÊ PAULISTA MEMÓRIA, 
VERDADE E JUSTIÇA


publicado em 15 de maio de 2012 às 19:45

Sobre a composição da Comissão Nacional da Verdade 
e declarações preocupantes de alguns de seus membros

O Comitê Paulista Memória Verdade e Justiça (CPMVJ), diante dos últimos fatos relacionados à constituição e ao início do funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, vem a público externar o seguinte:
1. O CPMVJ reitera seu apoio à Comissão, espera que seus trabalhos comecem imediatamente após a posse dos seus membros, e coloca-se à sua disposição para contribuir com as investigações das violações praticadas pelos agentes da Ditadura Militar (1964-1985).

2. O CPMVJ considera que o sr. Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça, não reúne as condições necessárias para integrar a Comissão, por haver atuado como perito do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo atuado contra os familiares dos guerrilheiros do Araguaia cujos corpos encontram-se desaparecidos até a presente data. A presença de Gilson Dipp, portanto, compromete a isenção da Comissão, nos termos do artigo 2º,  §1 inciso II do projeto de lei que a criou: “Não poderão participar da Comissão Nacional da Verdade aqueles que (…) não tenham condições de atuar com imparcialidade no exercício das competências da Comissão”. Desse modo, exortamos a Exma. Sra. Presidenta da República, Dilma Rousseff, a revogar a nomeação do sr. Gilson Dipp.

3. O CPMVJ estranha e repele declarações de alguns membros da recém-nomeada Comissão Nacional da Verdade que contrariam o elementar sentido de sua criação. Tratando-se de uma Comissão que tem por objetivo a verdade, espanta que a própria verdade de sua criação seja obscurecida por alguns de seus membros. A Comissão instala-se para esclarecer violações de direitos humanos e crimes contra a Humanidade de responsabilidade do Estado brasileiro. Nisto não há “outro lado”.  Tentativas de desvio desta clara e única finalidade devem ser imediatamente denunciadas como um golpe contra a consciência democrática do país. Não deveria ser necessário dizer que somente se pode buscar a verdade que está oculta: quem são os responsáveis e quais são todos os fatos e circunstâncias relativos às barbáries praticadas pelo Estado contra opositores políticos no período da Ditadura Militar. É isto que a sociedade não sabe. No plano ético, a consciência democrática do país não aceitará mais que a apuração de crimes contra a Humanidade, que marcam indelevelmente a história de um país e jogam sombras sobre as futuras gerações, seja obscurecida por mistificações que somente atendem os que têm medo do que o passado vai revelar e do que o futuro lhes reservará quando a verdade ganhar a luz do dia.

4. O CPMVJ também repudia firmemente as inoportunas e intempestivas declarações de membros da Comissão Nacional da Verdade de que é “impossível” a revisão da Lei de Anistia. Convém lembrar que a persecução criminal aos responsáveis por crimes contra a Humanidade — assassinatos, torturas, violações, desaparecimentos — é hoje obrigação assumida pelo Estado brasileiro perante a ordem jurídica internacional e que, neste momento, decorrido o prazo fixado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil somente pode ser reputado Estado fora da lei. A criação da Comissão representa, apenas e tão somente, o acatamento pelo Estado brasileiro do primeiro ponto daquela decisão. É inaceitável, assim, que precisamente membros da Comissão desinformem a sociedade e se ponham a serviço de interesses que não são os da democracia.

São Paulo, 15 de maio de 2012

Comitê Paulista Memória Verdade e Justiça

PS do Viomundo: O Comitê Paulista Memória Verdade e Justiça é formado por ex-presos políticos, parentes de mortos e desaparecidos e ativistas de direitos humanos. Entre os integrantes,  os jornalistas  Rose Nogueira, Denise Fon, Pedro Pomar e Antonio Carlos Fon, o procurador Marcio Sotelo Felippe e o advogado Aton Fon Filho.



Dilma: “Como se eles morressem de novo, sempre, a cada dia”

publicado em 16 de maio de 2012 às 13:52

Quarta-feira, 16 de maio de 2012 às 13:20

O Brasil e as novas gerações merecem a verdade, afirma presidenta Dilma

A presidenta Dilma Rousseff afirmou hoje (16), no Palácio do Planalto, ao instalar a Comissão da Verdade, que o Brasil e as novas gerações merecem a verdade. Segundo Dilma, a comissão, que terá prazo de dois anos para apurar violações aos direitos humanos ocorridas no período entre 1946 e 1988, que inclui a ditadura militar (1964-1985), não será pautada pelo revanchismo e pelo ódio.
“O Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia(…) É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e mulheres livres que não têm medo de escrevê-la”.
Segundo a presidenta, a instalação da Comissão da Verdade não foi movida pelo desejo de reescrever a história. Para Dilma, a instalação da comissão é a celebração da transparência da verdade de uma nação que vem trilhando seu caminho na democracia.
“Ao instalar a Comissão da Verdade não nos move o revanchismo, o ódio ou o desejo de reescrever a história de uma forma diferente do que aconteceu, mas nos move a necessidade imperiosa de conhecê-la em sua plenitude, sem ocultamentos, sem camuflagens, sem vetos e sem proibições”.
Dilma afirmou que os sete integrantes da Comissão da Verdade – Cláudio Fonteles, Gilson Dipp, José Carlos Dias, João Paulo Cavalcanti Filho, Maria Rita Kehl, Paulo Sérgio Pinheiro e Rosa Maria Cardoso da Cunha – foram escolhidos pela competência e pela capacidade de entender a dimensão do trabalho que vão executar.
“Ao convidar os sete brasileiros que aqui estão que integrarão a Comissão da Verdade, não fui movida por critérios pessoais ou por avaliações subjetivas. Escolhi um grupo plural de cidadãos e cidadãs de reconhecida competência, sensatos e ponderados, preocupados com a justiça e o equilíbrio,e acima de tudo, capazes de entender a dimensão do trabalho que vão executar”, declarou a presidente.

A imagem é a foto da  atual Presidenta Dilma com 22 anos diante dos militares da ditadura. Observem na foto que estes covardemente escondem a cara.
A fala dos dois vídeos (da foto antiga de Dilma) e este abaixo é a mesma e corresponde à resposta que ela dá ao Senador Agripino Maia (ainda quando era Ministra)







Documentos sobre crimes cometidos pela Ditadura Militar serão divulgados na internet

05/06/2011 

O Projeto “Brasil Nunca Mais Digital” vai reunir na rede relatórios que revelam as torturas e as violações dos direitos humanos cometidas pelo regime militar. Ato público marca o lançamento no dia 14 de junho, em São Paulo

No dia 14 de No dia junho, um ato público na cidade de São Paulo dará início ao projeto “Brasil Nunca Mais Digital”, iniciativa que trará de volta ao País documentos da época da ditadura militar que comprovam as torturas e crimes cometidos pelo regime. Os documentos estavam nos Estados Unidos e agora serão disponibilizados na internet.

Os documentos foram reunidos e desenvolvidos na década de 1980 pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela Arquidiocese de São Paulo, com a coordenação do Rev. Jaime Wright e de Dom Paulo Evaristo Arns. A ação se transformou no projeto “Brasil Nunca Mais” que possibilitou a produção relatórios e de um livro – com o mesmo nome do projeto – a partir do exame de cerca de 1 milhão de páginas de processos judiciais, que revelam as torturas e as violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado Brasileiro durante a Ditadura.

Com medo de que o material fosse destruído pelos militares, microfilmes dos documentos foram enviados para os Estados Unidos e, agora, retornam para serem tornados públicos na rede.

O Brasil Nunca Mais Digital está sendo promovido pelo Armazém Memória, Arquivo Público do Estado de São Paulo e Ministério Público Federal, com o apoio do Arquivo Nacional, Center for Research Libraries (EUA), Conselho Mundial de Igrejas (Suíça), Instituto de Políticas Relacionais e OAB / RJ. A digitalização está sendo feita pelo Armazém Memória.

O projeto Brasil: Nunca mais, é uma compilação de relatos a respeito da tortura durante os tempos de ditadura militar no Brasil; realizado de maneira clandestina entre os anos de 1979 e 1985 (Período do fim da ditadura militar) por uma equipe de cerca de 30 pessoas, lideradas pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e pelo Pastor presbiteriano Jaime Wright, o livro constitui hoje um dos mais importantes relatos sobre a violência do período, expondo detalhes das técnicas de tortura e assassinato, além de reunir relatos reais extraídos das denúncias feitas em juízo por opositores do regime de 64 e registra o conteúdo de cerca de 707 processos do Superior Tribunal Militar, demonstrando toda crueldade do regime.

Não cabem nessa postagem, acrescentar notas para o livro citar trechos da obra, é um livro extremamente pesado e perturbador, não usa nenhuma forma literária de narrativa ou algo que o valha, apenas exibe relatos extraídos de tais documentos e revela o funcionamento e os requintes cruéis dos métodos de tortura usados pelo regime; listando seus instrumentos de tortura, revela como animais eram utilizados em sessões de tortura física e psicológica, e acima de tudo revela relatos de torturas a menores e mulheres, citando até mesmo casos de gestantes, relatando casos de abortos e mortes e lesões causadas pela tortura.
Outras partes da obra, registram o funcionamento interno do regime, relatando sua formação e consolidação, com registros da censura e da repressão a todo meio de expressão que fosse considerado nocivo ao sistema.

A obra por si só é obrigatória para qualquer um que se interesse por política e pelo período, exibindo os fatos sem medo de parecer apelativo ou tentar ser sensacionalista, a obra se limita a listar os fatos e registrar a realidade cruel do regime.




BRASIL NUNCA MAIS
(com depoimentos retirados do livro "BRASIL NUNCA MAIS")
o vídeo é bem forte e fala sobre os "métodos" de totura





01/06/2011

Contra a Democradura*
Por Danilo Dara

A maior vitória das elites civis e militares que comandavam a ditadura foi ter feito os trabalhadores, no início dos anos 1980, acreditarem que a tinham derrotado.


Passados cerca de 30 anos, hoje podemos afirmar sem medo de errar: a maior vitória obtida pela última ditadura no Brasil foi a maneira como ela impôs a “redemocratização” do país. De forma similar ao que já tinha ocorrido por aqui durante a (falsa) Abolição em 1888, quando as elites escravocratas se anteciparam às pressões abolicionistas e assinaram a abolição formal que era mais conveniente para elas – sem qualquer reparação real aos negros escravizados, a maior vitória das elites civis e militares que comandavam a ditadura no início dos anos 1980 foi ter feito os trabalhadores acreditarem que a tinham derrotado [1]. Como sempre, diante da possibilidade de qualquer perda de controle, as elites brasileiras se não podem recorrer ao massacre, optam pela assimilação e falsificação dos anseios das classes populares.

E, sem desmerecer toda a verdadeira pressão exercida à época por trabalhadores organizados, pelo fim da ditadura e pelas “Diretas Já”: nunca antes na história deste país um “longo programa de transição”, anunciado com todas as letras pelos generais fascistas de turno (Geisel e Figueiredo), seria tão bem incorporado dali em diante pelas “forças progressistas e democráticas” que se organizavam forte e sinceramente para derrubá-los, e para tentar transformar a sociedade como um todo: uma “Abertura lenta, gradual e segura”.

Ora, tem sido uma transição tão Lenta que, ainda hoje, passados cerca de 30 anos de seu início, somos obrigados a lidar com os arquivos da dita-cuja ainda fechados a sete-chaves (tendo os generais forjado a Anistia exigida originalmente pelos resistentes); com muitos corpos de militantes da resistência ainda desaparecidos, e suas mortes não-esclarecidas; e com todos os agentes civis e militares do período agindo por aí, impunemente, na ativa pública ou na segurança privada, sem terem sido julgados e punidos nos devidos termos da própria lei “democrática”.

Tem sido uma transição tão Gradual que, somente cerca de 20 anos depois, absolutamente seguros de que não teriam seus principais interesses econômicos e políticos sequer tocados, é que entregariam a presidência ao primeiro ex-operário e seu controlado partido de “trabalhadores”.

E, finalmente, uma transição tão Segura que - aqui talvez o mais importante de tudo: manteve-se o aparato repressivo, penal e policial, intacto em muitos sentidos. Quando não mais sofisticado, aprimorado e ainda mais brutal - agora voltado totalmente contra a população pobre, indígena-descendente e negra, principalmente, das periferias das grandes cidades do país.

Uma “transição permanente”, em suma.

 A “Era das Chacinas”

Não tivesse sido assim, não teria se iniciado no Brasil – logo na sequência da promulgação da tal “Constituição Cidadã” (em 1988), aquilo que os companheiros e companheiras da Rede Contra Violência do Rio de Janeiro chamam de a “Era das Chacinas”, cujo marco de nascimento fora justamente a terrível Chacina de Acari, em julho de 1990. De lá pra cá, conforme vamos cada vez mais “aprofundando essa tal democracia”, temos vivido uma série sem fim de matanças e massacres populares cotidianos, que têm como casos emblemáticos a Chacina de Acari (1990), o Massacre do Carandiru (1992), da Candelária e de Vigário Geral (1993), de Corumbiara (1995), de Eldorado dos Carajás (1996), da Praça da Sé e de Felisburgo (2004), a Chacina da Baixada Fluminense (2005), os Crimes de Maio (2006), do Complexo do Alemão (2007), do Morro da Providência (2008), de Canabrava (2009), a Chacina de Vitória da Conquista e os Crimes de Abril na Baixada Santista (2010)… E por aí infelizmente temos ido... Entre tantos outros episódios! Uma verdadeira “Democradura”, ou “Democracia Totalitária”.

Os Crimes de Maio de 2006, que agora completam 5 anos, foram o acontecimento mais brutal e mais emblemático até aqui desta “nova era democrática”: mais de 500 pessoas assassinadas, em menos de 10 dias, somente no estado de São Paulo, por agentes policiais e grupos de extermínio em pronta “defesa da ordem”. O maior massacre da história contemporânea brasileira. Em pouco mais de uma semana, foram mais jovens pobres e negros assassinados do que durante todos os mais de 20 anos de terrível ditadura civil-militar assassinaram nas fileiras de seus opositores, em todo o país. Assim como para os antigos ditadores, até aqui nenhum dos atuais exterminadores foi devidamente julgado e punido.

Mais uma terrível expressão daquilo que vínhamos tratando: diante da menor possibilidade de perda de controle (neste caso era o controle da cidade de São Paulo que estava em jogo), a pronta reação vem ou na forma do Massacre puro e simples; ou, quando se avalia não ter força suficiente para tanto, na forma da Assimilação e da Falsificação (“quando não pode com seu inimigo, ‘junte-se’ a ele”, recomenda o ditado popular). Em Maio de 2006 foi o Massacre que falou mais alto durante aquela semana, até que se retomassem as negociações rotineiras, e a “guerra de baixa intensidade” do normal dia-dia. Neste ano de 2011, já foram mais de 100 pessoas assassinadas por policiais no estado de São Paulo, sob a verdadeira "licença para matar" da rubrica "resistência seguida de morte".

 Eterno aprimoramento da democracia

É este o melhor retrato da “democracia” que inúmeros setores da classe trabalhadora e das chamadas esquerdas têm se engajado e se especializado em gerenciar, aprimorando-a constantemente nos últimos anos aqui no país. É trágico, mas é real. E, é óbvio: ganhando cada vez mais dinheiro, cargos, status, e poder com isso, distanciando-se progressivamente da maioria que vive nos fundões sociais – ainda que possam manter a retórica classista e de esquerda. Partidos Socialistas e de Trabalhadores, Centrais Sindicais, inúmeras ONGs, vários Movimentos Sociais de maior ou menor envergadura: todos absolutamente engajados e dedicados ao “fortalecimento das instituições” e ao “aprofundamento da democracia” deste Estado Brasileiro. Logo deste…

Ou não têm sido inúmeros os setores da chamada “esquerda histórica” aqueles que têm aprimorado os instrumentos de gestão e controle do Estado Brasileiro frente a sua população, principalmente, ao longo dos últimos 10 anos?! Sim, o mesmo Estado que anunciou recentemente, no “Mapa da Violência no Brasil” (de 2011), divulgado pelo insuspeito Ministério da Justiça, que neste pujante Brasil Redemocratizado matou-se mais de 500.000 pessoas de 1998 a 2008, sendo a grande maioria jovens pobres e negros, nascidos e criados nas periferias do país.

É, portanto, nos bairros populares e nas periferias que a verdade desta democracia capitalista tem comido solta, nua e crua: tanto sua face mais brutal e violenta, encarnada na polícia e nos grupos de extermínio de alguma maneira ligados ao estado, os quais sabem ser a periferia o território principal a ser controlado e “pacificado”; como a face mais bonita, poética e verdadeiramente revolucionária, porque de negação do atual estado das coisas, e de tentativa de afirmação – em alguns espaços autônomos incipientes, de cultivo à coletividade - de um Novo Homem e uma Nova Sociedade possível.

Afinal, sabemos: se depender dos velhos partidos, das velhas máfias sindicais, de direita ou de esquerda, deste oceano de ONGs, mesmo dos velhos movimentos sociais e outros espaços burocratizados: nada de novo sairá deste matagal, deste verdadeiro deserto, a não ser o lento, gradual e seguro aprofundamento da democracia deles. A não ser, portanto, o cumprimento integral do programa anunciado pelos Generais Geisel e Figueiredo, os últimos dos ditadores. Uma transição lenta, gradativa, segura e indefinida... Uma transição permanente, ou a perene “consolidação da democracia”. Felizes para sempre…

Contra esta pasmaceira, do limite da Dor e da Luta, começam a nascer Novas Flores e Movimentos verdadeiros, como as Mães de Maio de SP, a Rede Contra Violência do RJ e tantas outras movimentações periféricas, surgidas do Luto e da Busca pela Verdade de quem realmente Necessita de Mudanças Reais e Radicais, Urgentes, por Justiça e Liberdade. Sem nada nem ninguém intermediando os sentimentos, as decisões, as palavras e a organização de Outro Viver.

Ao que tudo indica, o caminho está apenas no começo e, como sempre, não será nada fácil. Persistência, porém, dá pra sentir que não faltará.

Danilo Dara é historiador.

* Texto recém-publicado no livro Mães de Maio – Do Luto à Luta (Movimento Mães de Maio, Nós por Nós, 2011), lançado no dia 12/05/2011, quando se completaram 5 anos dos Crimes de Maio. Para mais informações sobre o livro, e como adquirí-lo: http://www.maesdemaio.blogspot.com .

[1] Foi o professor e parceiro Paulo Arantes quem, até onde tenho notícia, denominou esta derrota-na-vitória da classe trabalhadora nos termos aqui grifados. A ele um Salve! pela precisão desta formulação, e por tantos outros desvios críticos fundamentais sobre a forma atual da guerra de classes.

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