TRAVESSEIRO SUSPENSO POR FIOS DE NYLON

quinta-feira, 5 de maio de 2011

MATERNIDADE: EIS AS QUESTÕES



Acolher, proteger, nutrir, cuidar, orientar, ninar e confortar são atitudes e sentimentos que combinam com o que alguns chamam de "instinto materno".

Muitas mulheres se sentem cobradas, internamente e socialmente, como se optar por não ser mãe fosse uma aberração da natureza. 

Muitas são desprovidas desse desejo por não sentirem que a maternidade seja condição para que se sintam realizadas na vida. E o que há de "errado" nisso? Nada. Absolutamente nada!
O famoso instinto materno, como o conceituamos, está presente em todos os seres humanos: homens, mulheres, idosos e crianças. Em alguma medida todos nós somos protetores, acolhedores e cuidadores, sabendo naturalmente como confortar outras pessoas e "dar colo" quando solicitados ou atendendo a um apelo solidário. E fazemos isso com nossos pais, irmãos, amigos e até desconhecidos. 

Portanto, não é apenas na maternidade que as mulheres - e todos os seres humanos - exercem o instinto materno.
Escolher conscientemente não ter filhos é uma atitude corajosa, pois desafia preconceitos. 

Vários podem ser os motivos que levam certas mulheres a optar por não serem mães:
  • Privilegiar a carreira profissional e saber que um filho não caberia em seu projeto de vida.
  • Temer a perenidade da escolha, afinal filho é "para sempre", não dá para não tê-lo depois que ele existe e nem todas se sentem prontas para assumir uma escolha eterna.
  • Saber ser portadora de alguma doença geneticamente transmissível e temer pela saúde de um possível filho.
  • Ter consciência de que não tem paciência para cuidar de crianças.
  • Não desejar abrir mão da liberdade por um bom período na vida.
  • Sentir-se insegura com relação ao papel de mãe.
  • Simplesmente não desejar ser mãe.
  • etc...
É claro que muitas dúvidas ou inseguranças são reversíveis, caso essa mulher queira ir fundo para compreender melhor seus motivos. Mas isso passa a ser uma necessidade apenas se essa pessoa estiver sofrendo ou se de alguma forma a decisão de não ser mãe for uma fonte de conflito. Caso contrário, as razões citadas entre tantas outras são absolutamente legítimas e não implicam em culpa. 

Não existe "esquisitice" em não desejar ser mãe e isso não quer dizer que essa mulher seja desprovida de instinto materno ou seja menos mulher ou menos feminina.
As datas comemorativas, como o Dia das Mães, só trarão algum desconforto caso as mulheres que escolheram não ter filhos não estiverem suficientemente convictas ou não souberem como lidar com as cobranças familiares e sociais.
Mesmo as que se sentem confortáveis com sua decisão podem se perder algumas vezes quando questionadas. Para essas vai uma sugestão de resposta, caso não queiram expor ou discutir esse assunto de foro íntimo: "da mesma forma que muitas mulheres escolhem ter filhos eu escolhi não tê-los. Poder fazer escolhas na vida é realmente exercer a liberdade, não é?", vale perguntar ao ser interrogada pela sua decisão.
Para as mulheres que não têm filhos por não encontrarem parceiros adequados, estarem fora de um relacionamento afetivo ou mesmo por questões de saúde, sugiro deixarem medos e preconceitos de lado e, quem sabe, pensarem seriamente em adoção. 
E é claro que isso tudo vale para homens e mulheres.

POR  CELIA LIMA   E-mail: celia80@ig.com.br





Vale repetir: ter filhos é um projeto de vida e de afeto. 
Ninguém deve impor a maternidade a alguém


por Eleonora Rangel Nacif

http://catolicasonline.org.br/


A comissão de juristas, instituída pelo Senado Federal para elaboração de anteprojeto do novo Código Penal, criou a possibilidade de ampliação das hipóteses autorizadoras do aborto legal. Entre as propostas de mudanças nos artigos que tratam do aborto, o texto traz a possibilidade de interrupção da gravidez “por vontade da gestante até a 12.ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade” (art. 128, IV). No caput do novo art. 128, consta que “Não há crime” diante de tal circunstância, criando-se, portanto, uma nova excludente de antijuridicidade.

Levando-se em consideração que cerca de um milhão de abortos ilegais são realizados anualmente no Brasil e aproximadamente 250 mil mulheres são internadas nos serviços públicos de saúde para tratar sequelas,(1) em um primeiro momento, tal alteração soa inovadora e moderna, uma vez que amplia o rol de possibilidades para que as mulheres pratiquem aborto, caso assim desejem. E é aí que começa o problema: no desejo. Mais especificamente, no desejo feminino. De acordo com o texto legal, a “vontade” da gestante, ou seja, o seu “desejo”, deverá ser ratificado por médico, e o mesmo deverá constatar que a gestante “não apresenta condições psicológicas” para ser mãe. Nessas condições, não há crime.

Ocorre que, o simples desejo feminino de interromper a gravidez já é algo demonstrativo de que a mulher “não apresenta condições psicológicas para arcar com a maternidade”, ela não quer ser mãe, não deseja ter um filho naquele específico momento da sua vida.

Em outras palavras: a mulher que deseja abortar revela, de forma inequívoca, que não tem condições psicológicas para ser mãe, e a validação dessa decisão não deve vir de fora, mediante uma constatação médica, mas sim de quem vivencia as dúvidas e impasses que permeiam tal decisão, ou seja, é a voz da gestante que deve ser ouvida e respeitada no momento de decidir se dará continuidade ou não à gestação. Conforme alerta o médico Thomaz Gollop, “Ter filhos é um projeto de vida e de afeto. Ninguém impõe maternidade a alguém. Mulher tem filho quando acha que tem condições de ter. Em uma sociedade democrática, a escolha de ter filhos deve ser livre e não imposta”.(2)

Na esteira desse pensamento, o psicanalista Contardo Calligaris, em artigo intitulado “Fé na medicina”,(3) traz interessantes reflexões acerca dessa problemática. Ao analisar o projeto de reforma sob o ponto de vista psicanalítico, comenta que “Obviamente, ‘médico’ (genérico), sugerido pelo texto da proposta, não teria treino algum para avaliar psicologicamente as gestantes. Mas se entende que, no texto da proposta, ‘o médico’ não é mencionado por sua suposta competência; ele é invocado como a entidade para a qual delegamos nossa incômoda liberdade moral. Algo assim: não sabemos se, quando e como o aborto deveria ser criminalizado ou não, mas chamem o médico, e que ele decida, na base de suas avaliações ‘científicas’”.

Engravidar é um acontecimento feminino de múltiplos significados e boa parte deles não contém uma intenção genuína de ser mãe. Pode ser a confirmação de uma fertilidade potencial, motivo de alegria para muitas, ou a notícia de que os próximos anos serão monopolizados pela servidão ao filho, cujas necessidades sempre falarão mais alto do que as da mãe. Para uma adolescente, pode ser a afirmação da condição de mulher, identificada com sua mãe e avó, pois agora ela sabe que pode ser como elas, ou o anúncio de um futuro restrito, já que terá que trabalhar em vez de estudar e trocar sua vida social por noites de fraldas e mamadeiras. Pode ser a forma de se livrar de uma mãe que não deixa a filha crescer, oferecendo-lhe um neto e deixando a criança no seu lugar. Pode ser um meio de união com o homem amado, o sinal de que o casal quer construir algo juntos, ou o início de uma sequência de abandonos masculinos, nos quais a mulher sempre se encontra enfim só, criando o filho e ruminando seus sonhos frustrados de família feliz.(4)

No final dos anos 60, as feministas norte-americanas queimaram sutiãs em praça pública para protestar contra a dominação masculina. Elas gritaram: “Nosso corpo nos pertence”. Leila Diniz, em 1971, exibiu a barriga grávida de biquíni na praia de Ipanema. A barriga grávida de Leila Diniz representa a mesma mensagem: “Meu corpo me pertence”.(5)

Todavia, os valores patriarcais que ainda vigoram no país incidem sobre o corpo (e sobre o desejo) feminino, regulando e vigiando o modo de ser e de agir das mulheres e retirando-lhes a sua autonomia reprodutiva. Exemplo disso é o fato de que, apesar das parcas possibilidades de aborto legal previstas atualmente na nossa legislação penal, quais sejam, quando for decorrido de estupro ou quando a vida da gestante estiver em risco, com tímida ampliação pelo projeto de reforma,(6) a interrupção da gravidez continua inserida no nosso Código Penal, no capítulo dos crimes contra a vida. Como se sabe, o autor/autora de crime contra a vida deverá ser submetido ao Tribunal do Júri, e eventuais medidas despenalizadoras só poderão ser aplicadas após exaustivo e constrangedor julgamento pelos seus “pares”, os cidadãos jurados.

Já é lugar-comum afirmar que “Ninguém é a favor do aborto. O que se defende é a descriminalização do aborto”. Sobre a autonomia de escolha, Gollop assevera: “Eu não sou a favor do aborto, imagina se eu como médico vou ser a favor do aborto. Eu sou a favor de que as pessoas tenham o direito de escolha, e na hipótese de resolverem não ter uma gravidez, que não a tenham em condições adequadas de saúde, isto eu sou a favor”.

Certamente, a experiência do abortamento é algo bastante marcante para uma mulher, algo que envolve questões muito íntimas, profundas e até metafísicas. E por que não, religiosas. E é justamente por isso que o assunto é tão complexo. A forma como cada indivíduo se relaciona com o “desconhecido”, com o “sagrado”, é algo pessoal e único. O leque de religiões disponíveis pode até impor aos seus adeptos suas ideias e doutrinas, mas o número expressivo de um milhão de abortos praticados anualmente no Brasil demonstra que os preceitos religiosos não são considerados pelas gestantes quando da escolha de não prosseguir com a gravidez. Mais uma vez, ninguém é a favor do aborto em si, a intervenção é algo marcante e pode até mesmo tornar-se traumática, ainda mais em um país onde tal prática ainda é reprimida criminalmente, mas é lógico que o direito de escolha deve ser respeitado.

Sobre os efeitos traumáticos decorrentes do aborto, Diana Corso afirma que “[o aborto] pode ser a marca de um episódio traumático, que será sempre lembrado, fonte de cálculos eternos de que idade teria o filho que não nasceu. Pode ser fonte de fantasias de ter tido o corpo danificado. Abortar é sempre triste. A clandestinidade, a culpa e a falta de apoio psicológico adequado não impedem essa prática, só geram mais sofrimento para as mulheres”.

Mulheres cuja religião não permite o abortamento e que vislumbrem real sentido nesta vedação, por óbvio, não devem abortar. Mas essas mesmas mulheres (e homens) não podem impor a uma nação inteira que sigam a sua opção, não podem impor sua fé e visão de mundo aos demais.

Em fevereiro deste ano, a Comissão de Reforma do Código Penal promoveu audiência pública no Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre os crimes contra a vida. Das inúmeras manifestações ali ocorridas, vale destacar o discurso da advogada Maíra Fernandes, presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/RJ, que trouxe dados de uma pesquisa organizada pelas professoras Debora Diniz, da UnB, e Marilena Cordeiro Dias Villela Corrêa, da UERJ, sobre um levantamento feito com mais de dois mil estudos, artigos e publicações sobre o tema nos últimos 20 anos.(7)

A pesquisa contém dados surpreendentes sobre o perfil das mulheres que abortam no País. De acordo com o documento “Aborto e saúde pública: 20 anos de pesquisas no Brasil”, esse grupo é formado, em sua maioria, por jovens entre 20 e 29 anos, católicas, com filho, e que tomaram a decisão como forma de planejamento reprodutivo.

Diante desses dados, percebe-se que, atualmente, a mulher que decide abortar já é mãe, mas opta por não ter mais filhos, e o que é levado em consideração no momento de sua decisão é mais o seu projeto familiar do que a sua religião.

A Organização Mundial de Saúde aponta que 21% das mortes maternas são ligadas ao ciclo grávido-puerperal. Cerca de 6.000 mortes por ano na America Latina tem como causa as complicações decorrentes do aborto inseguro (feito em más-condições de higiene e saúde). No Brasil, a mortalidade materna permanece entre as 10 principais causas

da população feminina em torno de 10 e 49 anos, lembrando sempre que a maioria é composta por mulheres pobres e negras.(8) Ou seja, além de não preservar a vida, a lei penal atual proporciona a morte.

Em uma nação que se autopropaga constitucionalmente laica, a ostentação de um crucifixo no plenário da mais alta Corte do país indica que ainda estamos distantes da verdadeira separação entre Estado e Religião. Recentemente, o mesmo STF que desafia a Constituição Federal com a mantença do crucifixo durante as sessões de julgamento, autorizou, por maioria de votos, o aborto de fetos anencéfalos. Tal decisão constitui inegável avanço, porém, ainda há muito que evoluir. É preciso que a autonomia reprodutiva das mulheres e a autodeterminação sobre o seu próprio corpo sejam respeitadas de forma intransigente. Países como Portugal e Itália, onde a religião é extremamente presente, já descriminalizaram o aborto. Melhor do que delegar ao médico o diagnóstico sobre as condições psicológicas da mulher para arcar com a maternidade, sobre a sua higidez mental para tanto, seria extirparmos de uma vez por todas este crime do Código Penal. Crime pratica o Estado brasileiro ao deixar que milhares de mulheres morram por ano pela prática de um aborto clandestino. Vale repetir: ter filhos é um projeto de vida e de afeto. Ninguém deve impor a maternidade a alguém.

NOTAS

(1) Católicas pelo direito de decidir. Aborto: dialogar é estratégico. Boletim da AJD, ano 11, n. 40, dez. 2006/fev. 2007.

(2) No último dia 24 de maio, o IBCCRIM, juntamente com a Universidade Cândido Mendes, realizou no Rio de Janeiro a Mesa de Estudos e Debates sobre O aborto no novo Código Penal. Os palestrantes Dr. Thomaz Gollop, Médico e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Aborto (GEA) e Dr. Rulian Emmerick, advogado, trouxeram ideias interessantes sobre o tema e provocaram debates acalorados na plateia.

(3) Calligaris, Contardo. Fé na medicina. Folha de S. Paulo, 1.º mar. 2012.

(4) Corso, Diana. Sobre a legalização do aborto. Disponível em: 
http://www.marioedianacorso.com/abortos. Acesso em: 15 jun. 2012.

(5) Goldenberg, Miriam. Nosso corpo nos pertence. Folha de S. Paulo, 13 mar.2012.

(6) Proposta de alteração: “Exclusão do crime

Art. 128. Não há crime se:

I - se houver risco à vida ou à saúde da gestante.

II - a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida;

III - comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestado por dois médicos.

IV - por vontade da gestante até a 12.ª semana da gestação, quando o médico constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.

§ 1.º Nos casos dos incisos II e III, e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante, ou quando menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de seu representante legal, do cônjuge ou de seu companheiro”.

(7) Link para a pesquisa em pdf, extraída do site Católicas pelo Direito de Decidir: 
http://www.catolicas.org.br/uploads/20%20anos%20de%
20pesquisas%20sobre%20aborto%20no%20Brasil.pdf.

(8) Dados apresentados pelo médico Thomaz Gollop, na Mesa de Estudos e Debates O aborto no novo Código Penal. A gravação audiovisual do evento está disponível na midiateca do IBCCRIM.
NACIF, Eleonora Rangel. Aborto, desejo e autodeterminação feminina. In Boletim IBCCRIM. São Paulo : IBCCRIM, ano 20, n. 236, p. 16-17, jul., 2012.

Eleonora Rangel Nacif
Coordenadora-chefe do Departamento de Mesas de Estudos e Debates/IBCCRIM.
Advogada Criminalista.


Disponível em: 
http://www.catolicas.org.br/noticias/conteudo.asp?cod=3590

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